Por Antônio Augusto Ribeiro e Vinícius Fernandes Morais
Nascida em Juiz de Fora e atualmente residente em Volta Redonda, Ramona Gusyeva é uma mulher trans que atua como jornalista esportiva, no atual Grupo Disney. Completamente apaixonada por esportes, torcedora do Volta Redonda e Atlético-MG no futebol e do Timberwolves no Basquete, e comunicadora por natureza, obteve destaque nas redes sociais por seu conteúdo, em principal, sobre futebol, mas também sobre basquete, hóquei no gelo, futebol americano e Nascar, que fugia dos desgastados moldes tradicionais da mídia esportiva brasileira, tendo, desde então, assinado matérias para diversos veículos, trazendo por diversas vezes destaque a clubes, tanto europeus como brasileiros, de menor expressão ou até desconhecidos.
Ramona por diversas vezes traz luz à questão da insegurança sentida nos estádios pela própria em sua posição de mulher trans, que se dá tanto em decorrência da atmosfera opressiva do Brasil, país que mais mata pessoas trans no mundo, quanto em decorrência da ainda baixa incidência de discussões e reflexões sobre gênero no âmbito do futebol, fatores estes que criam momentos de infortúnios, como o vivido pela jornalista em março deste ano, quando foi vítima de transfobia ao ingressar em jogo do Campeonato Carioca entre Volta Redonda e Resende.
Em 2 de março de 2022, Ramona estava indo a um jogo no Raulino de Oliveira, casa do Volta Redonda, torcer para seu time de coração. Porém, quando foi passar pela revista para entrar no estádio, um funcionário do local a puxou pelo braço e a tirou da revista feminina e obrigou-a a passar pela masculina, e, ainda, o homem rasgou o seu ingresso, configurando um caso de transfobia, que teve uma relativa repercussão nas redes sociais, e, com isso, o Volta Redonda teve que se pronunciar. O clube carioca relatou que não compactua com tais ações e iria tomar as providências necessárias, além de se desculpar com Ramona e chamá-la para conhecer a sede do Voltaço. Nessa visita, a jornalista levou um documento autoral sobre respeito e inclusão para passar a atletas e funcionários, com o objetivo de informar e conscientizar sobre a luta pela igualdade. Em entrevista realizada com ela, a jornalista falou um pouco sobre o episódio, contou sobre sua luta diária por igualdade nesse meio e sobre o combate aos preconceitos no esporte e na sua cobertura.
Mesmo em um meio que possui uma bolha tão preconceituosa, Ramona continuou sua caminhada nessa área e, ainda neste ano, anunciou que estaria integrando a equipe da ESPN Brasil, solidificando sua escalada no jornalismo esportivo brasileiro e pavimentando o caminho para diversas outras mulheres trans em uma área constantemente obstruída e estigmatizada por datadas estruturas de gênero. Ramona, ainda na entrevista, relatou um pouco sobre como foi sua sensação ao ocorrer essa contratação de uma empresa de porte, de se tornar uma das primeiras mulheres trans a serem empregadas pela ESPN, de sua trajetória até chegar neste posto e a sua evolução da internet na área esportiva.
Antonio: Quem é Ramona? Fala um pouco sobre você, sobre sua trajetória com o esporte, como é que você criou sua relação com o esporte, principalmente com o futebol, vimos que tem muito esporte que você acompanha e a gente queria saber sua relação com eles.
Ramona: Eu sou a Ramona, tenho 19 anos, sou mineira, nasci e morei por um tempo em Juiz de Fora. Lá a gente sempre teve uma relação muito engraçada, porque eu torço pro Galo, mas o pessoal de lá ninguém torcia pro Cruzeiro ou pro Atlético, eu tinha muito contato com os times do Rio, aí eu lembro que quando eu era criança meus amigos torciam para Flamengo, Vasco, Botafogo e eu era a única atleticana, então, meio que eu fui conhecendo times que eram distantes da minha região e aí isso foi sempre me despertando interesse. Eu lembro que nessa época a gente tinha um computador em casa no início dos anos 2010 e eu comecei a pesquisar os times, anotar num caderno e aí eu fui conhecendo os times, as divisões nacionais, fui entendendo melhor o que que era, como que funcionava o Campeonato Brasileiro, as equipes nacionais e aí depois eu fui conhecendo outros campeonatos.
Antonio: E falando um pouco de trabalho você falou que foi contratada pela ESPN para fazer o Bola de Prata, né? Qual foi a sensação disso? Tipo, quando você recebeu a notícia, recebeu o contato da ESPN…
Ramona: então, foi muito muito louco… vou até contar um bastidor aqui pra vocês: porque na NHL tem dois narradores que eles fazem até futebol também, mas geralmente eles fazem hóquei, o Ari Aguiar e o Tiago Simões, e eu achava que o Thiago Simões não gostava de mim por algum motivo, porque assim, eu seguia ele, ele não me seguia, ele não interagia comigo nas transmissões , sabe aquele famoso “abraço aqui pra não sei quem” ele nunca mandava pra mim, eu falei “cara esse maluco não gosta de mim”. Aí do nada um dia eu acordei assim de manhã e tinha uma mensagem dele falando assim, Ramona você pode me passar seu número? Eu falei “meu Deus vou ser processada”. Aí eu passei e na hora que eu vi essa mensagem eu estava com o meu celular na mão, com o meu c* na outra, aí eu passei pra ele assim e ele me fez contato, cara e aí ele me enfim explicou como que funcionaria, a equipe tudo mais, depois a ESPN enviou o contrato foi muito marcante pra mim, porque como eu acompanhava ligas alternativas assim, times alternativos, a ESPN é um prato cheio pra você assistir. Mano, a quinta divisão da Inglaterra, sabe? Tem muito conteúdo. E o hóquei, aí também é transmitido pela ESPN, então, eu sempre falei com a minha mãe que eu não queria trabalhar na Globo, porque toda mãe tem esse negócio trabalhar na Globo eu falava “ah eu queria trabalhar na ESPN”, então, assim, pra mim, foi muito marcante e no dia 21/02, que era aniversário da minha melhor amiga, ela estaria fazendo 17 anos esse ano, infelizmente ela não está mais aqui, mas no dia 21/02, eu assinei o meu primeiro contrato com a ESPN. Então assim, além de tudo foi muito emocionante, chorei pacas. Mas tamo lá, então esse ano já tá finalizando, né? Porque acabou o Brasileirão feminino, mas pra 2023, a gente também já está encaminhando uma renovação.
Vinicius: E é até uma coisa que a gente ficou pensando, que pra você que foi uma das primeiras mulheres trans que entrou na equipe da ESPN né? Tipo isso pra você teve um impacto ainda maior, como foi toda essa sensação que você teve quando recebeu o chamado da ESPN?
Ramona: Cara, é assim, eu acho que até é legal fazer uma volta no tempo assim, ali pra 2019 foi o ano que eu falei, olha, vou criar conteúdo na internet e foi um ano também que eu, de fato, comecei minha transição hormonal. Comecei no Instagram e no Facebook e em algumas vezes, juntavam alguns grupos de enfim pessoas mais preconceituosas e tipo de madrugada assim invadiam os meus conteúdos pra só comentar coisa tipo preconceituosa ficava me mandando DM com tipo muito conteúdo preconceituoso e assim foi muito difícil lidar com isso assim 2019 inteiro. Mas hoje em dia eu consigo ver que 90% do público que encontra o meu Twitter consegue diferenciar. Ainda tem um ou outro que fica fazendo alguma piadinha alguma coisa assim de mal gosto mas eu sempre fui muito de boa tanto pra explicar o que eu sou porque querendo ou não também é uma, entre aspas, novidade pra muita gente. Não é uma realidade, então, assim, eu tenho uma certa paciência pra explicar e tudo mais. Mas assim, eu vejo que evoluiu bastante, cara, de verdade. Uma coisa que o pessoal pegava no pé é que eles falavam que eu era tipo um menino que fingia ser menina pra ter seguidor na internet. Aí agora tipo o pessoal entende que não, que eu realmente sou uma menina trans entendeu? Então assim, meio que cara, foi questão de etapas e isso, claro, refletiu muito em oportunidades que eu tive. Tinha um canal muito grande do Atlético que estava em contato também pra me contratar, pra eu fazer parte da equipe, porém depois que eles descobriram que eu era trans eles tipo recuaram completamente assim. Então foi várias etapas e foi muito daora por parte da ESPN. A gente até pouco tempo atrás tinha a Marcela que estava no grupo Globo. Mas realmente é algo muito louco assim ter pessoas trans no esporte. Ter pessoas LGBTs no geral já é algo novo. Mas acho que foi uma conquista assim muito importante de ter uma pessoa trans na ESPN nos canais Disney
Antônio: Então, por ter sido contratada, você pode ter ajudado a abrir um caminho pra, vamos supor, pra ESPN contratar mais pessoas trans? Porque a gente sabe que é muito difícil, porque por exemplo é um meio muito machista ainda, é muito preconceituoso, é uma estrutura que vem muito ultrapassada.
Ramona: Cara, com certeza, o que eu costumo dizer é que pra você ser um jornalista ou uma jornalista boa, você tem que dar 100% de você. Se você tiver uma tatuagem igual eu tenho no rosto, você tem que dar 150% de você. Se você for uma pessoa trans tem que dar 250%. Então, assim, são muitos momentos. Eu estava com problemas, principalmente de saúde mental, e estava tentando criar conteúdo, tentando fazer uma coisa diferente. Então assim é sempre você ter que entregar muito mais do que você pode pra você mostrar a sua competência.
Vinicius: E, assim, querendo ou não, você falou um pouquinho na sua na etapa que você tá, hoje em dia, você acha que mesmo uma pessoa que tá começando agora, que também tá na comunidade trans, também tá na comunidade LGBT, você acha que foi sendo criado um ambiente mais seguro em geral ou você ainda acha que que está no mesmo pé que quando você começou?
Ramona: Cara eu acho que a gente está num momento mais evoluído. Só que é meio complicado eu dizer isso porque qualquer coisa que eu vá falar eu vou poxa eu posso parecer meio arrogante que não é o que eu quero. Mas assim meio que quando eu comecei, cara, não tinha ninguém sabe? Não tinha alguém pra eu falar nossa eu quero ser igual aquela mina. E é uma coisa que eu sempre disse é que a nossa luta não é pra gente ter mais direitos, não é pra gente ser superior, é uma luta de inclusão, sabe? O que o que a gente quer é ser tratado com respeito, com carinho e de alguma forma conseguir ajudar as pessoas também. A gente não quer tirar o espaço de ninguém, a gente não quer nada desse tipo. A gente só quer realmente ter o nosso espaço e a nossa inclusão.
Antonio: Eu te conheci quando teve aquele caso do Volta Redonda. Quando você sofreu preconceito contra o Resende, acho que em março se não me engano. E assim, você depois daquele caso, depois de toda uma repercussão que teve, você ainda fica com receio de acontecer alguma coisa?
Ramona: Cara, então, é meio complicado, eu já sofri algumas vezes assédio. Mas assim o grande problema que deu nesse jogo contra o Resende foi o seguinte: a gente tem em Volta Redonda uma equipe de segurança que é contratada pra fazer a segurança, nesse jogo em específico, pelo que eu entendi, por ser clássico, a equipe de segurança foi trocada ou foi reforçada e estava uma galera diferente. Então, eu sempre passo na mesma moça pra fazer revista feminina, e o que aconteceu foi que eu fui passar na moça, ela ficou tipo parada assim, me ignorou completamente e o cara da revista masculina me puxou e me revistou completamente à força e tipo rasgou meu ingresso e tipo me empurrou lá pra dentro. E aí toda vez que eu vou no jogo eu vou com uma amiga. Ontem ela não pôde ir também ontem ninguém podia ir no jogo de tão ruim que era o jogo. Mas eu sempre tento ficar perto de alguém que eu conheço, de alguém que sabe e tudo mais, mas o pessoal do Volta Redonda hoje em dia já tá mais ligado nessa situação.
Antônio: E também acha que tem alguma maneira de diminuir pelo menos o preconceito que tem no nesse meio?
Ramona: Eu acredito que sim, só que a gente está num momento muito delicado. A gente tá prestes a ter uma Copa do Mundo no Catar que é uma questão completamente financeira e é um país extremamente preconceituoso. Então, assim, pessoal está vendo na televisão que lá no Catar não pode andar de mão dadas um casal gay ou um casal de lésbicas e eles pensam assim, “ah, lá eles estão certo, eles estão recebendo a Copa”. Isso meio que até inconscientemente age nas pessoas e eu acho que seja um ponto muito negativo. A gente está também num momento da sociedade brasileira estar evoluindo. Eu comecei a ir no estádio ali em 2013, e de lá pra cá a gente evoluiu bastante. Os gritos de viado, de bicha, até de macaco. Na questão LGBT, eu ainda acho que é uma questão que está evoluindo. Teve um time agora não lembro qual, me perdoem, mas que sofreu uma punição por conta de gritos homofóbicos. O Atlético Goianiense também já sofreu. Então, cara, eu acho que a gente tá evoluindo, é conscientizar mesmo.
Antonio: E pra finalizar, queremos ver como você tá de palpite!
Ramona: Vamos lá!
Antonio: Ano que vem, o Volta Redonda consegue subir pra série B?
Ramona: Começamos bem, hein? Meu Deus, cara, eu queria muito que sim, mas pelo planejamento, pelos gastos, eu acho que não.
Antonio: E agora quem volta é a NBA. Quem você acha que vai ganhar?
Ramona: Ah o Minnesota Timberwolves, com certeza. Rudy Gobert e Anthony Towns vão levantar a taça no final da temporada.
Antonio: E da Champions, quem você acha que leva esse ano?
Ramona: essa temporada? Cara eu infelizmente acho que o Manchester City hoje é o time que está mais pronto, até com o Haaland que está tipo atingindo uma performance assim muito excelente
Antonio: E pra finalizar, e a Copa do Mundo? Quem vai ser o artilheiro e quem vai ser o campeão?
Ramona: meu Deus, cara eu eu tenho dupla nacionalidade, né? Eu sou brasileira e também tenho nacionalidade canadense. Eu queria muito que o Canadá fosse longe, ainda mais 36 anos depois de voltar pra Copa. Então, assim, se eu pudesse escolher, seria Brasil e Canadá na final com o Brasil campeão. Mas o Canadá não chega tão longe. Eu acho que o Brasil vai ser campeão. E artilheiro eu posso pensar num artilheiro pra seleção brasileira e para outra seleção que eu acho que vai ser vice. Então eu vou ser ousada: eu vou colocar o Cristiano Ronaldo de artilheiro. eu acho que ele na copa vai voar, e a final vai ser Brasil e Portugal
***Esta entrevista foi feita como atividade da disciplina Laboratório de Comunicação e Esporte ofertada no semestre 2 de 2022 no Departamento de Comunicação Social da UFMG. A disciplina foi ministrada pela Profa. Ana Carolina Vimieiro e pela mestranda Flaviane Eugênio.***