Análise de campanha: #PedeA24 e a homofobia no futebol brasileiro

#PedeA24 - MullenLowe Brasil

Por Isabela Romero, Leonardo Camargo, Mariana Carolina da Silva e Natan Braga

Ficha técnica:

Campanha: #PedeA24
Ano de lançamento: 2020
Agência/Criação: MullenLowe Brasil
Produto: Camisa
Marca: Revista Corner

A campanha #PedeA24 foi criada em 2020 pela agência MullenLowe Brasil para a revista Corner com o intuito de questionar e romper um tabu presente no futebol brasileiro: o não uso da camisa com a numeração 24. A revista enfatizou o fato de nenhum jogador usar essa numeração na camisa e como os clubes também evitavam a sua utilização, exceto em competições da Conmebol, por questões de regulamento.

Mas o que o 24 tem a ver com tudo isso? A significância desse número é proveniente de uma cultura bastante praticada no país: o jogo do bicho. Neste caso, a crítica não é direcionada ao jogo em si, mas sim à associação que é feita ao 24, que no jogo é o número do animal veado, muito utilizado homofobicamente para se referir às pessoas que se identificam como homens gays. Sendo assim, por ligação, o número passou a ser associado à homossexualidade.

Para prosseguimento à discussão, é interessante trazer a definição para sexualidade. Ela pode ser considerada um dispositivo histórico e um organizador social e da cultura, que se define no espaço social e possui relação “com os entendimentos sobre os usos e prazeres corporais” (BANDEIRA; SEFFNER, 2013, p.249).

O que pode ser dito desde já é que a ausência desse número nas camisas de times brasileiros é motivada pela homofobia. A homossexualidade infelizmente ainda é vista de modo muito pejorativo pela sociedade e, no futebol, que é uma modalidade esportiva que se encaixa no conceito de uma prática cultural generificada e generificadora, isso não é diferente, seja dentro ou fora de campo. O futebol é um esporte que traz “representações de gênero e sexualidade dentro de uma lógica fortemente heteronormativa, machista e homofóbica” (BANDEIRA; SEFFNER, 2013, p.246). Vale citar que as representações são elaboradas através da linguagem.

Desde sua origem, o futebol é uma prática idealizada para o gênero masculino, que passa por aspectos da masculinidade hegemônica, como: competição, honra, violência e virilidade. Sendo assim, é possível perceber que atitudes distintas dessas são rejeitadas. No caso da homossexualidade, os indivíduos, comumente, esperam que as atitudes de um homem homossexual sejam diferentes das de um homem visto dentro do padrão heteronormativo, que no “mundo futebolístico” possui como características os aspectos citados acima. Assim,

“a masculinidade vivida nesse contexto cultural específico possui algumas características particulares: ela é machista e homofóbica” (BANDEIRA; SEFFNER, 2013, p.247).

Dando seguimento à campanha, como forma de questionamento e manifestação, a Corner propôs a iniciativa, a fim também de provocar e engajar seus leitores e seguidores nas redes sociais a se juntarem ao movimento e também pedirem o 24 na camisa, com a #PedeA24, pensando na ideia de que esse tabu precisa acabar e reforçando que não há nada de errado em ser homossexual.

A iniciativa obteve sucesso e, no ano de 2021, a revista sentiu a necessidade de reativar a campanha. Isso ocorreu devido a uma situação que chamou atenção na Copa América daquele ano, na qual o Brasil foi a única seleção, das 10 participantes, a não ter um jogador com o número 24 estampado na camisa. Na oportunidade, justamente 24 jogadores foram convocados a participarem da competição e o 24º acabou utilizando a 25.

No mesmo ano, a revista lançou também dois modelos de camisas especiais, estampando o 24, com o objetivo de criticar o receio de muitas pessoas em usar o número no Brasil.

Modelo de camisa branca lançada pela Corner

Fonte: Corner. Disponível em: https://clubecorner.com.br/pede-a-24/

O texto a seguir, escrito pelo jornalista Mauro Beting, elucida o intuito da ação da revista, reforçando o entendimento de que a ausência do número está relacionada à homofobia, que ainda faz parte da realidade de uma sociedade como a nossa.

Texto do jornalista Mauro Beting para a campanha #PedeA24

Fonte: reprodução do Twitter. Disponível em: https://bit.ly/3Hu70j2

Por meio da hashtag, a campanha ganhou muito destaque, contando com diversos apoiadores, que pediram o uso da numeração. As pessoas vestiram a camisa 24 e alguns clubes chegaram a entrar em campo com o número estampado nas camisas de seus respectivos jogadores. No contexto da mídia, a revista alcançou também os olhares da imprensa esportiva do Brasil. A campanha pedindo a camisa 24 foi citada e repercutida por diversos jornalistas e apresentadores em programas esportivos e transmissões de partidas de futebol.

Também em 2020, um episódio envolvendo a camisa 24, acompanhada da homofobia, ganhou repercussão na mídia esportiva. Durante a apresentação do jogador colombiano Cantillo no Corinthians, o presidente do clube, Duílio Monteiro Alves, disse: “24 aqui não”. Vale ressaltar que no Junior Barranquilla, seu antigo time, Cantillo utilizava a camisa com o número 24. Dentre os portais e programas que debateram o assunto, está o “Mercado Fox”, do canal Fox Sports. Ao longo da discussão, o jornalista Eugênio Leal questiona: “Então quem vai ser o 24 no Corinthians? Ou ninguém vai continuar usando essa camisa?”. Na estreia de Cantillo, após a polêmica, o clube divulgou a escalação em que o jogador aparecia com a 24, numeração que é utilizada pelo atleta até hoje.

É pertinente entender que a campanha não somente obteve uma repercussão positiva na mídia, mas também contou com o apoio dessa, que, em maioria, debateu a ausência da numeração nos clubes de futebol do país e o motivo disso. A mídia foi uma apoiadora importante para o grande alcance da campanha e também para a abertura da discussão em uma escala maior.

O caso citado acima exemplifica que a campanha foi uma espécie de impulsionadora de uma questão que é tão relevante e escancarada, e que por muito tempo foi ocultada. A repercussão da mídia em relação a #PedeA24 foi além da divulgação dessa. Ela abrangeu a situação no dia-a-dia dos clubes brasileiros e também da Seleção Brasileira.

Além disso, ainda pensando no contexto midiático, é interessante citar que também em 2020 de acordo a MullenLowe Brasil a ação recebeu um Commendation no The Immortal Awards, promovido pelo Little Black Book (LBB), sendo a primeira iniciativa desenvolvida na América Latina a receber a premiação. A campanha ainda recebeu a estrela de bronze do festival Clube de Criação e no El Ojo de Iberoamérica, uma prata, um bronze e um shortlist.

A repercussão do público foi analisada neste trabalho em duas redes sociais: Instagram e Twitter. Nos guiamos por respostas e comentários em postagens de páginas e pessoas influentes que saíram em defesa da campanha.

Para começar, essas foram algumas das postagens que geraram repercussão, feitas por comentaristas de futebol, times, canais de mídia de esporte, que se posicionaram além dos programas, e páginas com muitos seguidores (e verificadas) sobre a modalidade esportiva.

Perfil oficial do clube Chapecoense reproduz a campanha #PedeA24

Fonte: Reprodução do instagram. Disponível em: https://bit.ly/39rQKlZ

Perfil oficial do SportsCenter Brasil reproduz publicação do time Bahia

Fonte: Reprodução do instagram. Disponível em: https://bit.ly/3xWqSby

As respostas tanto no Twitter quanto no Instagram tiveram um teor negativo, protagonizadas por homens que julgavam a ação ser “fruto de mimimi da sociedade”.

Internautas responderam às publicações, tanto no Twitter quanto no Instagram, com respostas negativas à ação

Fonte: Reprodução do Twitter e do Instagram. 

Entretanto, também houve pessoas defendendo a campanha e alertando sobre a relação da homofobia com a questão.

Internautas responderam às publicações no Twitter

Fonte: Reprodução do Twitter. 

A campanha foi lançada próxima da morte da estrela do basquete norte-americano Kobe Bryant (falecimento em 26 de janeiro de 2020), que usava a camisa 24. Algumas pessoas relacionaram a campanha à sua morte.

Internautas responderam às publicações no Instagram

Fonte: Reprodução do Instagram. 

No Instagram, percebemos que muitas pessoas também realizaram postagens em suas próprias páginas em defesa da campanha, num movimento mais positivo do que percebemos no Twitter.

Fonte: Reprodução do Instagram. 

Também houve boa repercussão nos comentários em postagens que falavam sobre jogadores que começaram a usar a camisa 24 após a campanha.

De acordo com o que analisamos, percebemos que a maioria dos internautas homens e torcedores se expressaram contra a campanha, com o principal argumento de que seriam “mimimi”, “besteira” e até mesmo “ditadura LGBTQ”. Entretanto, esses comentários negativos geraram alguns debates interessantes de pessoas a favor que podem ter ajudado a espalhar a importância da campanha.

O Bahia, que tem feito muitas ações afirmativas em prol de grupos subalternizados, foi o primeiro clube a aderir a campanha. No jogo contra o Imperatriz, pela Copa do Nordeste, o meio-campista Flávio, que normalmente veste a camisa 5, utilizou o número 24. A ação foi abraçada pela cervejaria Brahma, parceira do clube baiano e que tem atuação forte no futebol, e que acabou convidando outros clubes a participarem do movimento.

Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense e Santos também aderiram à campanha. O Santos escolheu o garoto Tailson para vestir a camisa 24. Gabriel, do Flamengo, também usou a camisa 24 simbolicamente no jogo contra o Resende, pelo Campeonato Carioca. Botafogo e Vasco fizeram manifestações em redes sociais a favor do número. O Fluminense decidiu adotar o número 24 para Nenê na Sul-Americana, onde é obrigatório inscrever jogadores com numeração de 1 a 30.

Como já dito, a campanha também repercutiu entre importantes nomes do jornalismo esportivo nacional. No programa ‘Redação’, do SporTV, foi mostrada uma camisa “Pede a 24”, assim como no programa ‘Jogo Aberto’, da Band. Diversos jornalistas de diferentes veículos aderiram à campanha, como Milton Neves e Isabelly Morais (Band), PVC (Globo), Juca Kfouri (UOL), Bruno Formiga e Fred Caldeira (TNT Sports), Bruno Vicari e Paulo Soares (ESPN), Ivan Bruno (Conmebol TV), Renato Peters (Quatro Linhas), Bolívia (camisa 21) e outros, capitaneados por Mauro Beting, editor da Revista Corner.

Apesar de toda a movimentação em 2020, ano em que a campanha foi lançada, alguns casos ainda são recorrentes no futebol. O Flamengo, que, como já dito, havia aderido à campanha com o jogador Gabriel utilizando o número 24, se envolveu em uma polêmica na Copa São Paulo de Futebol Júnior. Dos trinta jogadores inscritos para a competição, nenhum selecionou o número 24. A justiça do Rio de Janeiro notificou o clube após um pedido feito pela organização de defesa e promoção dos direitos LGBTQI+, Grupo Arco-Íris. O Flamengo se posicionou contra qualquer ato discriminatório e alegou que a escolha das camisas foi opção dos próprios jogadores.

Essa não é a primeira vez que o grupo Arco-Íris ingressa com pedido judicial no sentido de cobrar explicações pela exclusão do número 24 em uniformes de times de futebol. Em junho de 2021, a organização moveu uma ação contra a CBF em razão da seleção ter sido a única na Copa América a atuar sem jogadores com o 24 nas costas. O processo foi arquivado pelo TJD-SP.

Entramos em contato com a Revista Corner, que nos contou que as adesões ao número 24 foram apenas durante a campanha, sendo deixadas de lado com o passar dos meses.

Referências Bibliográficas

BANDEIRA, Gustavo Andrada; SEFFNER, Fernando. Futebol, gênero, masculinidade e homofobia: um jogo dentro do jogo. Espaço Plural, Nº 29, p. 246 – 270, 2013.

PEDE A 24. Corner; MullenLowe, 2020. Disponível em: https://twitter.com/leiacorner/status/1301219488856190976. Acesso em: 15 mai. 2022.

Corner. #PEDEA24 virou camisa, [S. l.], 2021. Disponível em: https://clubecorner.com.br/pede-a-24/. Acesso em: 15 mai. 2022.

A POLÊMICA da camisa 24 do Corinthians gera debate no Mercado FOX. Fox Sports, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FZbYIVbQ1GI. Acesso em: 15 mai. 2022.

#PEDEA24 CONQUISTA THE IMMORTAL AWARDS. 7 dez. 2020. Disponível em: https://brasil.mullenlowe.com/our-work/pedea24/. Acesso em: 15 mai. 2022.

MAGRI, Diogo. Ausência da camisa 24 na seleção brasileira na Copa América perpetua um “símbolo de intolerância”. El País, São Paulo, 10 jul. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3NZ3Czb. Acesso em: 15 mai. 2022.

Justiça determina que Flamengo explique porque não usou o número 24. Ge, 2022. Disponível em: https://bit.ly/3MWe8px. Acesso em: 15 mai. 2022.

Número tabu: camisa 24 é rejeitada no futebol brasileiro. Ge, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NYIdpM. Acesso em: 15 mai. 2022.

Na onda contra o preconceito, goleiro do Vasco pede para usar a camisa 24: “Me sinto honrado”. Ge, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3QpKxrC. Acesso em: 15 mai. 2022.

***Esta análise foi produzida como atividade da disciplina Mídia, Esporte e Gênero ofertada no semestre 1 de 2022 no Departamento de Comunicação Social da UFMG. A disciplina foi ministrada pela Profa Ana Carolina Vimieiro, pela doutoranda Olívia Pilar e pela mestranda Flaviane Eugênio.***

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