Por Olívia Pilar (@oliviapilar_)*
Ficha técnica
Título: Uma equipe muito especial / A league of their own
Ano de produção: 2022 (8 episódios)
Criação: Abbi Jacobson; Will Graham
Duração: entre 46 min a 60 min (cada episódio em média)
Classificação: 16 anos
Gênero: Série de comédia dramática
Países de Origem: EUA
Onde assistir: Amazon Prime
Situada em 1943, nos Estados Unidos, a série “Uma Equipe Muito Especial” é um remake do filme homônimo de 1992, estrelado por Geena Davis e Lori Petty, que acompanha as integrantes do time feminino de beisebol Rockford Peaches. Nessa nova versão, contada a partir de 8 episódios, acompanhamos duas personagens principais: Carson Shaw (Abbi Jacobson) e Max Chapman (Chanté Adams). Ainda que ambas tenham os mesmos objetivos, praticar beisebol em um universo onde os homens foram enviados à Segunda Guerra Mundial, suas percepções desse momento são diferentes. Isso porque Carson é uma mulher branca e tem a oportunidade de ingressar em um time feminino (para mulheres brancas). Max, por outro lado, ao ser uma mulher negra não encontra o mesmo espaço. Nem nesse time feminino, nem no time masculino da fábrica em que começa a trabalhar.
Inspirada na história de um time real, os Rockford Peaches, a trama se inicia com Carson deixando sua cidade para participar da seletiva da recente All-American Girls Professional Baseball League (1943-1954). Nesse cenário, conhecemos as demais personagens da série que viriam a ser colegas de time de Carson e que também tem suas histórias contadas na série, como Greta (D’Arcy Carden), Jo (Melanie Field) e Lupe (Roberta Colindrez). É nesse momento também que o primeiro embate racial aparece. Enquanto as seletivas acontecem, Max chega ao lado de sua melhor amiga Clance Morgan (uma cartunista, também negra) e pede para participar. O pedido é logo negado com a seguinte frase: “Não teremos garotas de cor jogando com nossas garotas. Vão para casa”. Os episódios se tornam, assim, um pouco divididos entre essas duas vivências: Carson ao lado de suas novas colegas de time e Max com a negativa de não ter entrado no time, mas ainda com esse sonho/ambição.
Ainda que hoje pareça óbvio (mas pouco utilizado em produções audiovisuais) abordar a questão racial ao trazer atrizes negras e latinas para uma série ambientada nos Estados Unidos da década de 40, “Uma Equipe Muito Especial” nos apresenta um roteiro bem trabalhado, com personagens realistas e pouco idealizadas. Assim como a época em que estão. Além disso, nos parece que a série também não tenta criar um mártir a qualquer custo, através dos enredos de racismo e homofobia. Max, por exemplo, passa por diversos problemas, mas sua história não se limita a isso – a personagem é, inclusive, bastante complexa e chega a ser egoísta em diversos momentos, nos fazendo questionar nossa própria forma de encarar os sonhos e em como podemos priorizá-los.
A personagem Carson Shaw (ao centro), que é interpretada por Abbi Jacobson, deixa sua cidade para tentar a seletiva do Rockford Peaches, time real que integrou a All-American Girls Professional Baseball League (1943-1954)

Disponível em: https://thecinemaholic.com/carson-shaw-greta-gill/
Acessada em: 04 de abr. 2023
Divertida, cativante, com um humor simples e personagens marcantes, “Uma Equipe Muito Especial” consegue trabalhar bem todas as questões a que se propõe: Carson se descobrindo sáfica (termo guarda-chuva para mulheres que se relacionam com outras mulheres) ao longo da temporada e seu relacionamento escondido com Greta, as pequenas brechas sociais que essas mulheres conseguem ter para se divertir – as personagens que não são héterossexuais levam a realidade ao máximo ao demonstrar como relacionamentos homoafetivos eram/são marginalizados –, a amizade sincera (e complexa) de Max e Clance, e até mesmo a guerra e seus efeitos na vida dessas mulheres. Aliás, se pudéssemos indicar uma série que consegue trabalhar bem a perspectiva de encarar vivências através de uma ótica interseccional em tão pouco espaço, seria essa.
O conceito de interseccionalidade, cunhado por Kimberlé Crenshaw, surge da necessidade de se compreender as diferenças entre os sujeitos e em como diversos marcadores – raça, gênero, sexualidade, geolocalização, entre outros – atuam sobre suas vidas (CRENSHAW, 1993); para além disso, há uma invisibilidade dos problemas das várias mulheres e essa perspectiva busca trazer luz para essas questões. Em “A league of their own”, chegamos perto de ter uma boa representação de como é possível abordar diversos marcadores sem perder o humor e a leveza que uma série assim se propõe.
A série foi indicada a 6 prêmios durante 2022 e 2023, entre eles Melhor Nova Série de TV do GLAAD Media Awards, premiação criada pela organização Gay & Lesbian Alliance Against Defamation, que busca trazer visibilidade para representações LGBTQIA+ diversas (filmes, música, séries, livros, jornalismo, documentários etc). “Uma Equipe Muito Especial” possui boas avaliações em sites de criticas: nota 7,5 no site IMDB e 94% (crítica especializada) e 87% (público em geral) no Rottentomatoes. O apoio popular nas redes sociais, especialmente entre os grupos LGBTQIA+ também é grande. Cabe dizer, entretanto, que a série ainda não teve sua segunda temporada confirmada oficialmente pela produção – mesmo que o caminho pareça esse com as últimas especulações.
Max Chapman (à esquerda), interpretada por Chanté Adams, também vai até a seletiva do Rockford Peaches e é impedida de participar por ser negra

Disponível em: https://thecinemaholic.com/are-greta-gill-and-max-chapman-based-on-real-baseball-players/
Acessada em: 04 de abr. 2023
Ainda que “Uma Equipe Muito Especial” e os enredos das personagens fiquem levemente inacabados – mesmo com o encerramento ok da série, teríamos que fazer um trabalho criativo individual e imaginar o que aconteceu com cada uma –, vale dizer que a primeira temporada é realmente muito boa e merecia mais reconhecimento do público, especialmente aqueles que se interessam por produções que abordem esportes ou que apresentem protagonistas/personagens cativantes.
Atualização: “Uma Equipe Muito Especial” foi renovada para uma segunda (e última) temporada, mas, infelizmente, terá apenas mais quatro episódios!
* Olívia Pilar é jornalista, mestre em Comunicação e doutoranda pela UFMG. É também escritora e integra o Coletivo Marta.