Crítica de Mídia: Quem é Leila Pereira para o jornalismo brasileiro?

Por Alice Vitoria Queiroz Clementino, Ana Beatriz Viana Arruda, Luiza de Melo Andre e Yaskara Aryane de Melo Martins


Não é de hoje que existe a impressão de que lugar de mulher não é no esporte, muito menos no futebol. Cada vez mais a mídia evidencia casos em que jogadoras, torcedoras e árbitras sofrem assédio e desrespeito durante os jogos. Apesar da pressão constante desse cenário, existem mulheres que têm desafiado a maioria masculina no universo futebolístico, dentro e fora dos clubes. Leila Mejdalani Pereira é um exemplo. 

Mais conhecida como Leila Pereira, a palmeirense nasceu em 1965, na cidade de Cabo Frio, Rio de Janeiro. Ela, que é empresária, banqueira, advogada e jornalista, atualmente é presidente da Crefisa e da Faculdade das Américas (FAM), além de atuar ativamente na gestão de outras 11 empresas. Em 2015, a empresária decidiu assumir as negociações do patrocínio do time de futebol do Palmeiras. 

Após muito investimento e participação direta no clube, “tia Leila”, como foi apelidada pela torcida, se tornou conselheira do clube em 2017. Mesmo sendo a conselheira mais votada da história do clube, Leila precisou de uma validação em sua eleição, uma vez que alguns conselheiros contestaram sua seleção, alegando que ela não tinha o período mínimo de oito anos como sócia do clube para concorrer. É importante apontar que foi uma validação masculina, mas, mesmo com a contestação, Leila conseguiu assumir o cargo. 

Sua presença foi significativa, porque aumentou a porcentagem de mulheres no conselho e na presidência, elevando para seis mulheres, o que representava em 2020 2,1% do grupo diretor, conforme revelou um levantamento realizado pela Folha de S. Paulo. Em 2021, Leila foi eleita a primeira mulher presidente do Palmeiras em 107 anos de clube. Atualmente ela conta com outras duas mulheres entre seus vices: Maria Tereza Ambrósio Bellangero e Neive Conceição Bulla de Andrade e, junto com elas, Paulo Roberto Buosi e Tarso Luiz Furtado Gouveia. 

Apesar de feitos históricos dentro do clube como, por exemplo, ser a conselheira mais bem votada e a primeira mulher presidente, a trajetória da empresária dentro do verdão vem sendo marcada por críticas e muito preconceito. Em entrevista para o jornal O Globo, Leila afirma viver com o machismo no seu dia a dia e disse que começou a senti-lo quando assumiu o posto de presidente.

“Eu aceito as críticas e sugestões, mas a decisão é minha. Acho que aí é que entra o preconceito. Como pode uma mulher bater firme e dizer: ‘Eu respeito a sua opinião, mas a caneta é minha’?”

Leila em entrevista ao jornal O Globo

Leila também reclama da forma como a torcida passou a tratá-la após sua eleição como presidente. Em entrevista ao jornal Estadão, a presidente aponta que a torcida do Palmeiras não gosta de ver uma mulher com tanto poder em um cargo tão alto e que só a veem como um “cifrão andando”. Entretanto, é possível perceber que não são apenas os torcedores do clube paulista que a enxergam assim. Várias matérias jornalísticas apresentam  Pereira como sendo a “mecenas” do Palmeiras.

Na matéria “Quem é Leila Pereira, presidente da Crefisa e mecenas do Palmeiras”, publicada em dezembro de 2018 pela revista Veja São Paulo, é reforçado a ideia de que a única importância de Leila para o clube é seu grande apoio financeiro. A reportagem chega a referir a ela como “maior patrocínio do futebol brasileiro”. Além disso, traz também uma abordagem marcada pelo fato dela ser mulher.

Imagem de destaque de reportagem da Veja São Paulo sobre Leila Pereira

Fonte: Reprodução site Veja São Paulo. Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/leila-pereira-perfil-crefisa-palmeiras/

Algumas expressões e técnicas usadas, como a própria abertura da matéria, logo chamam atenção para o enquadramento escolhido para representar a atual presidente do Palmeiras:

“A sandália branca de salto alto incrementa o porte esguio — 1,75 metro de altura e 57 quilos — e dá leveza aos passos no ‘desfile’ por um camarote no estádio Allianz Parque no último domingo (2), data da partida entre Palmeiras e Vitória e da comemoração do décimo título do Campeonato Brasileiro do clube paulistano. Leila Mejdalani Pereira atravessa o salão decorado com um papel de parede que estampa seu rosto e símbolos da agremiação. Ela chega à varanda e se debruça no parapeito para espiar a multidão verde e branca: 41 256 torcedores, o maior público da história da arena”.

Início de reportagem/perfil sobre Leila Pereira da Veja São Paulo

Juntamente com uma foto em que ela se encontra com um vestido verde e branco à frente de uma escada imponente, a matéria já revela qual será o tom que guiará seu percurso narrativo.

Ao ressaltar aspectos físicos, como o que ela usava, sua altura, seu peso e descreve-la como uma mulher elegante e bela cria-se no leitor uma imagem marcada por noções que reiteram o lugar da mulher no esporte como sendo aquela que está lá apenas para desfilar e deixar tudo mais bonito. Ainda mais, no caso de Leila, além de trazer graça para os camarotes, ela também traz recursos financeiros para bancar contratações e grandes celebrações, como a citada na matéria, a conquista do decacampeonato brasileiro do clube. 

Em comparação com uma entrevista realizada em 2016 com Paulo Nobre, então presidente do Palmeiras, é possível identificar uma discrepância entre as formas de abordar os presidentes. Intitulada “Paulo Nobre, o milionário que colocou o Palmeiras de volta ao topo”, a reportagem que também foi publicada pela Veja São Paulo não encontra-se disponível no site da revista, mas pode ser encontrada em outras plataformas como a do Agora RN. Em um formato narrativo bem similar ao que foi utilizado na matéria com a Leila, Paulo Nobre é apresentado aos leitores a partir de um acontecimento narrado pela perspectiva do jornalista.

“O avião tocou o solo do Aeroporto de Guarulhos, vindo de Londres, na manhã de 28 de março de 2013. Paulo Nobre, que havia ido à Inglaterra para acompanhar, a convite da CBF, um amistoso entre a seleção canarinho e a Rússia, nem esperou a autorização pelo sistema de som do avião e ligou o celular em busca de informações sobre o resultado do clube que comandava havia dois meses na rodada do Paulistão. O susto veio na manchete: “Mirassol 6 x 2 Palmeiras”. Ao seu lado na classe executiva, o narrador Milton Leite, do SporTV, deu um tapa em seu ombro direito e deixou a aeronave depois de dizer apenas duas palavras ao recém-empossado presidente do Verdão: ‘Boa sorte’”.

Início de reportagem/perfil sobre Paulo Nobre da Veja São Paulo

Mesmo com essa semelhança, a forma com que o ex-presidente é apresentado difere profundamente da que a atual presidente foi retratada. Nenhuma menção sobre sua altura, peso, roupa que portava ou até mesmo seu jeito de caminhar foram feitas em nenhum momento da reportagem. O grande foco foi comunicar como o milionário ajudou o Palmeiras a ressurgir do momento de crise enquanto resgata momentos da história de Nobre. Já Leila era enquadrada apenas como um recurso, seja pela beleza, seja pelo financeiro, ao contrário do ex-presidente, que tinha seus feitos enquanto gestor valorizados na reportagem. 

Ainda realizando a comparação entre as duas produções jornalísticas, o que chama atenção é o aspecto familiar muito ressaltado. Durante a reportagem sobre a atual presidente do clube, é apontada sua relação e história com o marido e enteado, reafirmando Leila como sendo uma supermulher, diferente das outras. Já na matéria de Paulo, não há nenhuma menção de esposas, namoradas ou filhos, um grande contraste com os mais de três parágrafos na reportagem da atual presidente que tocam nesse assunto. Tanto Leila quanto Paulo foram responsáveis por investir altas quantias de dinheiro no antigo Palestra Itália. Apesar disso, é visível que há um tratamento diferente para os dois, mesmo as matérias se referindo à mesma temática.

Paulo Nobre e Leila Pereira em coletiva de imprensa | Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Divulgação

O lugar da Leila no futebol e as representações que ela exerce enquanto presidente do Palmeiras podem ser analisadas através da ideia de sensibilidade pós-feminista, presente em estudos como os da pesquisadora australiana Kim Toffoletti. A ideia de “sensibilidade pós-feminista” busca analisar as formas como a subjetividade feminina é construída, através de discursos hegemônicos advindos das ideias neoliberais de autonomia, escolha e empoderamento. O pós-Feminismo não é um momento posterior às ideias feministas, o conceito lança mão de um imaginário que despolitiza lutas políticas femininas e coloca sobre a mulher a responsabilidade pelos estereótipos e sexualização de seus corpos, retirando da mídia ou do meio social qualquer responsabilização quanto à isso. 

Ainda lançando mão dessas ideias, a visão do indivíduo com um ser livre nos leva a olhar para as mulheres através de uma perspectiva de empoderamento e, nesse caso, isso se dá principalmente pela via do consumo. É aqui que Leila Pereira entra. Além de ser vista exclusivamente como um recurso financeiro para o clube, a Presidente do antigo Palestra Itália é constantemente atacada por suas decisões enquanto gestora do time. O discurso que valida os ataques se apoiam na falsa ideia de empoderamento feminino, ou seja, uma vez que Leila pode e escolheu estar naquela posição, ela deve sustentar as críticas. Mas por que Paulo Nobre, detentor de uma grande fortuna, assim como Leila, não foi visto dessa forma durante sua gestão como presidente do Palmeiras? Por que a gestão da Leila, muito mais vitoriosa que a de Paulo Nobre, é duramente criticada? É simples, homens não aceitam mulheres em posições de poder. 

Não é de hoje que o futebol é representado na mídia de maneira a reforçar um viés de masculinização, o que gera como consequência a reprodução de muitos preconceitos, nesse caso em especial o machismo. Para além da propagação desse viés por parte de veículos de notícia, a repercussão de falas de muitos dos nomes envolvidos no meio futebolístico também corroboram com tais preconceitos. Em entrevista realizada para o Mesa Redonda em 2019, Paulo Nobre teceu comentários sobre Leila que são mais um exemplo do sexismo na prática. Quando perguntado sobre a atual presidente do Palmeiras, Nobre responde falando sobre as características do marido dela, ou se refere a eles como um casal. Em outras palavras, os feitos e conquistas de Leila, independente de quais sejam, são valorizados pela fala de Nobre apenas atrelados a outro homem. Não há referência positiva a ela enquanto profissional ou conselheira do clube, mas ele elogia sua beleza em determinado ponto da entrevista. Esse comportamento demonstra como a lógica de objetificação da mulher está intrínseca no meio do futebol. Além disso, também é reflexo do movimento de críticas direcionadas à Leila, visto que sua posição era questionada não por sua gestão ou seus feitos, mas por ser uma mulher.

Enquanto Leila representava apenas uma ferramenta de poderio financeiro num lugar de menor representatividade na gestão do clube, não havia nada a ser falado, elogios eram rasgados à empresária, ela era a grande heroína que bancaria todas as conquistas do time. Nesse momento, já se podia pensar em Pereira como um artifício que justifica essa participação das mulheres no esporte por meio dessa lógica de consumo, pensando nos lucros que elas trariam para os clubes e principalmente, para os homens à frente desses clubes. 

A partir do momento que Leila toma posse da posição de maior poder na hierarquia administrativa do clube, isso após passar por constestação de gestores homens, o discurso muda. Ainda apresentando uma enorme importância para o setor financeiro do clube, Leila perde o posto de heroína, é atacada, ridicularizada e constantemente questionada. Nesse momento, ela inclusive fala, em sua primeira coletiva de imprensa para a TV Palmeiras como presidente do clube paulista, que não pode dizer que houve preconceito em relação a ela dentro do clube porque desde sua primeira eleição como conselheira bateu todos os recordes. Leila também muda seu discurso porque precisa reafirmar seu lugar. Ela passa a performar uma masculinidade se definindo nessa mesma entrevista como uma mulher dura, que não chora, visto que assim se aproxima do comportamento que é desejado para quem ocupa aquela posição. Mas, apesar dos esforços, segue representada na mídia através de uma perspectiva heteronormativa que insiste em retratar a mulher como mãe e esposa, ainda que o assunto central não seja esse. Leila Pereira tem as suas fragilidades e características físicas expostas nas reportagens que é destaque, o que não é observado no tratamento da mídia para com homens em posições de poder no esporte. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ESPN. Leila Pereira diz que ‘incomoda demais’ e vê machismo em cobranças sobre suas decisões no Palmeiras: ‘São críticas ridículas’. Disponível em:https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/10036442/leila-pereira-diz-incomoda-demais-ve-machismo-cobrancas-sobre-suas-decisoes-palmeiras-sao-criticas-muito-ridiculas. Acesso em: 22 jun. 2022.

GLOBO ESPORTE. Leila Pereira tem eleição como conselheira aprovada no Palmeiras. Disponível em:http://ge.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2017/03/leila-pereira-tem-eleicao-como-conselheira-aprovada-no-palmeiras.html.Acessoem:22jun.2022.

LANCE!. Leila Pereira toma posse como presidente do Palmeiras: ‘Seremos a maior gestão da história. Disponível em: https://www.lance.com.br/palmeiras/leila-pereira-toma-posse-como-presidente.do-palmeiras-seremos-a-maior-gestao-da-historia.html.Acessoem: 22jun. 2022.

MCROBBIE, Angela. Pós-feminismo e cultura popular: Bridget Jones e o novo regime de gênero.

***Esta crítica foi produzida como atividade da disciplina Mídia, Esporte e Gênero ofertada no semestre 1 de 2022 no Departamento de Comunicação Social da UFMG. A disciplina foi ministrada pela Profa Ana Carolina Vimieiro, pela doutoranda Olívia Pilar e pela mestranda Flaviane Eugênio.***

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