Indicação: Revista Rozzeira, primeira revista brasileira dedicada ao futebol de mulheres

Por Rafaela Souza


O futebol feminino, especialmente no contexto brasileiro, tem experienciado algumas mudanças nos últimos anos, como o aumento no número de campeonatos, regulamentos que obrigam os clubes a ter um time feminino e recorde de audiência nos jogos da Copa de 2019, por exemplo (Vimieiro et al, 2023).

No entanto, apesar desses avanços, a modalidade ainda não ocupa um grande espaço na mídia esportiva e a maioria das informações sobre os times e os campeonatos passa, muitas vezes, por outros formatos que vão além dos canais e portais mais tradicionais do jornalismo brasileiro. Um exemplo é a revista Rozzeira, que tem como missão ser referência entre plataformas de conteúdos relacionados ao futebol feminino e às mulheres no futebol. A revista foi lançada nas redes sociais em abril de 2022, e a primeira edição impressa foi publicada no mês seguinte, em maio.

A Rozzeira é a primeira revista dedicada ao futebol feminino no Brasil e foi idealizada pela jornalista Jay Oliveira. Segundo uma entrevista da jornalista ao Portal Trivela, a ideia de criar a revista veio quando ela ainda estava na faculdade e tem o objetivo de apresentar personagens importantes do futebol feminino, além de ser um espaço de inspiração e de apoio para quem acompanha, torce, joga ou atua na comunicação do esporte. Atualmente, a produção da revista é comandada pela Jay e pelo publicitário Claudio Campos, Diretor Executivo da Rozzeira.

O próprio nome da revista busca resgatar um símbolo tradicional do futebol, ao mesmo tempo que traz uma identificação única. Segundo uma explicação divulgada no Instagram da Rozzeira, o nome faz alusão à “roseira”, que é a rede do gol. A mudança do “s” para as duas letras “z” foi uma estratégia adotada para diferenciar a marca. Nesse mesmo post do Instagram, a revista é definida como um “veículo de comunicação que protagoniza a mulher no ambiente futebolístico, independente da sua área de atuação”.

Esse objetivo de reverenciar e colocar personagens importantes do futebol feminino como protagonistas aparece na capa da primeira edição da Rozzeira, que tem a jogadora Formiga como destaque. Formiga jogou sete Copas do Mundo e sete Olimpíadas, sendo a única jogadora de futebol, entre homens e mulheres, a participar de sete edições das duas competições. Além dessa reverência a uma das maiores jogadoras de futebol da história, a primeira edição da Rozzeira também trouxe outras figuras e assuntos importantes sobre a modalidade, como uma entrevista com a jogadora Andressa Alves e com a ex-jogadora Francielle Alberto, um especial dos 10 anos do Brasileirão Feminino A1 e as histórias de três técnicas que atuaram na primeira divisão do mesmo campeonato em 2022.

Formiga foi a capa da primeira edição da Rozzeira.

Disponível em: https://www.rozzeira.com/product-page/formiga-rozzeira-01.
Acesso em: 09 de junho 2023.

Já a segunda edição da revista, lançada em outubro de 2022, traz cinco jogadoras do Corinthians que foram importantes para a conquista do Brasileirão A1 2022: Adriana, Gabi Zanotti, Grazi, Tamires e Tarciane. A foto é uma reprodução da Revista Placar nº 650 de 1982, que trazia personagens do Corinthians masculino, chamado de “time mais original do Brasil”.

Rozzeira reproduz capa da Placar de 1982 com o time feminino do Corinthians

Disponível em: https://www.rozzeira.com/product-page-corinthians-edi%C3%A7%A3o-n%C2%BA-2.
Acesso em 09 de junho de 2023.

Revista Placar nº 650/1982 que serviu de inspiração para a capa da segunda edição da Rozzeira

Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=iASoh4sNwJcC&hl=pt-BR&source=gbs_all_issues_r&cad=1.
Acesso em 09 de junho 2023.

Nesta segunda edição, além de reportagens especiais sobre o time do Corinthians, a revista também traz entrevistas com outros tópicos como uma entrevista com a ex-jogadora e atual comentarista da TV Band, Milene Domingues, informações sobre o futebol da Suécia e especulações sobre o futuro do futebol feminino no Brasil.

Ensaios fotográficos: A representação das atletas na revista Rozzeira

Um diferencial interessante da revista são os ensaios fotográficos protagonizados pelas jogadoras que ilustram as capas da revista impressa. Segundo um levantamento feito pelo Observatório Marta (2021), em grande parte das notícias sobre os esportes praticados por mulheres que foram analisadas no relatório, não haviam imagens das atletas em movimento, ou seja, no exercício da atividade esportiva. Outros estudos, como o de Mühlen e Goellner (2012), apontam que muitas das imagens que foram divulgadas em reportagens do site Terra focavam em aspectos da “natureza feminina” e da maternidade, por exemplo, além de ter uma narrativa com forte representação de feminilidade ligada a atributos como delicadeza, graça e beleza (MÜHLEN; GOELLNER, 2012, p. 173). O estudo também aponta que essa feminilidade é mais presente em modalidades específicas:

No caso do futebol feminino, por exemplo, não evidenciamos qualquer menção sobre os uniformes ou ainda, sobre o corpo e a beleza das atletas. Essa ausência revela a representação de que a beleza é um atributo feminino, e não de mulheres, pois, em algumas modalidades esportivas, tais como o fisiculturismo, o futebol e as lutas, mesmo que as atletas sejam belas, pouco se diz sobre sua beleza e feminilidade. São os detalhes técnicos que ganham visibilidade, conforme evidenciou o site em quase todas as reportagens que mencionavam tais modalidades. (MÜHLEN; GOELLNER, 2012, p. 175).

Grazi, do Corinthians, em ensaio fotográfico para a Rozzeira

Disponível em: https://www.instagram.com/p/CpS4-1BPdIW/.
Acesso em 14 de junho de 2023

Nesse sentido, quando olhamos as imagens produzidas pela revista Rozzeira com jogadoras como a Formiga e a Grazi, por exemplo, temos representações que parecem fugir um pouco dessas representações de feminilidade dócil e de maternidade. Além disso, contrariando as análises do estudo citado anteriormente, essas imagens parecem apresentar aspectos que ressaltam a beleza das atletas misturados a símbolos do futebol.

Formiga em ensaio fotográfico para a Rozzeira

Disponível em: https://www.instagram.com/p/CgShuJpurvY/.
Acesso em 14 de junho de 2023

Por outro lado, o tema maternidade, presente em algumas análises que olham para as representações de mulheres na mídia esportiva, é abordado pela revista em uma postagem no Instagram com a goleira Mary Camilo, que também conta com um ensaio fotográfico da atleta. Nesse caso, a goleira conta a própria história, falando sobre quando descobriu que estava grávida e sobre a importância da própria mãe nesse momento. Vale ressaltar que essa postagem faz parte de uma campanha da Rozzeira em parceria com a Centauro e que também contou com a participação da jogadora Duda Rodrigues, do São Paulo, junto com a sua mãe.

É interessante observar essas imagens tendo em vista que, segundo Toffoletti (2016), muitas representações de mulheres na mídia esportiva são feitas a partir de uma imagem de pessoas ativas e poderosas, ao mesmo tempo em que elas são sexualizadas. No caso dessas imagens citadas da revista Rozzeira e dos demais ensaios disponíveis na revista impressa, no blog e nas redes sociais, apesar de ainda trazer essa noção de “empoderamento”, como mulheres ativas e poderosas, é válido destacar como, nos três exemplos, temos como foco mulheres negras. Estudos como de Salvini e Júnior (2013) sobre a revista Placar mostram como a cobertura dos esportes na modalidade feminina sempre traziam mulheres brancas na capa, além de ter o mesmo cunho erotizante e sexualizado que aparece em outras revistas. Ensaios fotográficos com jogadoras de futebol já são raros, tendo em vista que muitos times brasileiros não fazem Media Day, por exemplo, uma prática tão comum no futebol masculino. Nesse sentido, ter imagens de mulheres negras em capas de revista, com toda a produção de um ensaio fotográfico, também é um diferencial interessante.

Ainda sobre as representações presentes na revista, podemos destacar as histórias contadas sobre torcedoras, como é o caso da reportagem sobre a Joy Moretti, torcedora do Palmeiras que lidera uma Torcida Organizada. A entrevista mostra as dificuldades que a torcedora encontrou para ocupar esse espaço dentro da torcida e como ela apoia o time feminino com a Torcida Organizada Acadêmicos da Savóia. Essa representação é interessante, tendo em vista que, muitas vezes, o ambiente das organizadas é proibido para as mulheres, além do fato de que não há uma forte presença de TOs nos jogos femininos, quando comparamos com a presença nos jogos dos times masculinos.

Joy Moretti, torcedora do Palmeiras

Disponível em: https://www.instagram;com/p/CewbbLkpkm/.
Acesso em 14 de junho de 2023

Manifesto Pacaembu

Para além do foco nas histórias das jogadoras e em outros personagens do futebol feminino, como jornalistas e pessoas que fazem parte da comissão técnica dos clubes e da arbitragem, a revista Rozzeira também traz reportagens que apresentam reflexões sobre o próprio jornalismo esportivo e sobre como, mesmo com os avanços dos últimos anos, o futebol feminino ainda é deixado de lado no Brasil, tanto pelas entidades que organizam os campeonatos da modalidade, quanto pela própria mídia esportiva.

Um exemplo disso é o Manifesto Pacaembu, lançado pela revista em março, depois que o Brasil demonstrou interesse em sediar a Copa do Mundo Feminina de 2027, candidatura que foi confirmada posteriormente pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). No caso do Manifesto Pacaembu, a revista se posiciona cobrando das autoridades que o Estádio do Pacaembu seja a casa do futebol feminino em São Paulo. A reportagem relembra que um jogo realizado no mesmo estádio, em 1940, foi um estopim para a proibição da prática de futebol pelas mulheres, oficializada pelo decreto-lei de 1941.

Jornal O Radical, do Rio de Janeiro, destaca partida entre SC Brasileiro e Cassino Realengo, em 1940

Disponível em: https://www.rozzeira.com/post/o-paaembu-delas.
Acesso em 14 de junho de 2023.

O Estádio Pacaembu já foi palco de diversos jogos da modalidade no país e está em reforma desde 2021, com previsão de reinauguração para 2024. O Manifesto lançado pela Rozzeira foi divulgado por diversas pessoas ligadas ao futebol feminino no Brasil e também pelo perfil oficial do Pacaembu no Twitter, que incentivou que outras pessoas também assinem e apoiem a iniciativa. Esse é um dos exemplos de como a revista também contribui para aumentar o debate sobre o espaço do futebol feminino no Brasil e o incentivo ao crescimento da modalidade.

Diante disso, é interessante observar que, apesar de não ter uma grande regularidade de edições impressas, a Rozzeira traz conteúdos sobre temas diversos, em diferentes formatos, tanto no blog quanto nas redes sociais. Essa atuação no digital é ainda mais perceptível no Instagram da revista, em que é possível acompanhar os bastidores de entrevistas e resumos de conteúdos disponíveis na versão impressa e em conteúdos que são divulgados no formato digital.

Assim, podemos dizer que a revista Rozzeira realiza uma cobertura diferenciada sobre o futebol feminino, com narrativas tanto sobre os times brasileiros e a própria seleção, quanto sobre times estrangeiros. Muitas reportagens divulgadas na revista e no blog, por exemplo, são feitas com um enquadramento temático, que coloca as questões em um contexto mais geral, aprofundando causas e trazendo soluções sobre os temas. Isso é importante, tendo em vista que, segundo o relatório do Observatório Marta 2021, cerca de 72,3% das notícias esportivas analisadas durante a coleta foram feitas utilizando o enquadramento episódico, que é um tipo de enquadramento muito comum no jornalismo esportivo em geral.

Ainda que a revista não tenha um volume muito grande de reportagens e não faça um acompanhamento do cotidiano da modalidade, indicamos a Rozzeira justamente porque ela traz esse olhar sobre jogadoras, comissão técnica, jornalistas e torcedoras, que são personagens que muitas vezes não têm muito espaço no jornalismo tradicional.

REFERÊNCIAS

VIMIEIRO, A. C.; EUGENIO, F. R. ; PILAR, O. Estudos sobre mídia, gênero e esporte: narrativas do futebol feminino e algumas propostas. No prelo.

MÜHLEN, Johanna Coelho Von; GOELLNER, Silvana Vilodre. Jogos de gênero em Pequim 2008: representações de feminilidades e masculinidades (re)produzidas pelo site Terra. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 34, n. 1, p. 165-184, 2012.

OBSERVATÓRIO MARTA, 2021. Disponível em: https://observatoriomarta.com/2022/02/18/relatorio-2021/. Acesso em 12 jun. 2023.

ROZZEIRA. Disponível em: https://www.rozzeira.com/. Acesso em 14 jun. 2023.

SALVINI, L.; MARCHI JÚNIOR, W. Uma história do futebol feminino nas páginas da Revista Placar entre os anos de 1980-1990. Movimento, [S. l.], v. 19, n. 1, p. 95–115, 2012. DOI: 10.22456/1982-8918.31644. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/31644. Acesso em 14 jun. 2023.

TOFFOLETTI, Kim. Analyzing media representations of sportswomen—Expanding the conceptual boundaries using a postfeminist sensibility. Sociology of Sport Journal, v. 33, n. 3, p. 199-207, 2016.

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