Resenha: F1: The Academy, um movimento em construção

Por Soraia Carvalho*


FICHA TÉCNICA

Título: F1: The Academy
Ano de produção: 2025
Produtores: Ian Holmes, Sarah Lazenby, Sara Rea, Isabelle Stewart, Reese Witherspoon e Susie Wolff
Duração: 7 episódios com cerca de 40 minutos cada
Classificação: 12 anos
Gênero: Série documental, Esportes
País de Origem: Reino Unido
Onde assistir: Netflix


“Formula 1 is dominated by men, but that is about to change” ([a] Fórmula 1 é dominada por homens, mas isso está prestes a mudar)

É com essa promessa, dita por Susie Wolff logo nos primeiros segundos, que a série F1: The Academy se apresenta ao público. Lançada na Netflix em 28 de maio, a produção documental de sete episódios mergulha nos bastidores da temporada de 2024 da categoria F1 Academy, iniciativa voltada exclusivamente para o automobilismo feminino de base, com quinze pilotas disputando o título e tentando deixar sua marca em um dos esportes mais masculinizados do planeta. A série coloca no centro do debate a invisibilidade das mulheres no automobilismo. A F1 Academy surgiu como resposta a uma ausência que fala alto, mas parece não ser ouvida por muitos: desde 1976, com Lella Lombardi, nenhuma outra mulher foi pilota titular de uma equipe de Fórmula 1. Desde então, o grid da principal categoria de automobilismo do mundo segue sendo 100% constituído por homens. A série F1: The Academy se propõe a mostrar que esse cenário não é fruto de falta de talentos femininos, mas sim da escassez de oportunidades, visibilidade e estrutura.

O enredo

Os primeiros episódios funcionam como introdução à lógica da categoria, que tem calendário e dinâmicas distintas da F1, além de introduzir algumas pilotas. A série ajuda quem não acompanha o universo automobilístico a entender um pouco de suas dinâmicas e a se conectar com as histórias de quem está envolvida na modalidade.

A produção deixa evidente que, embora exista uma categoria só para mulheres e que busca colocá-las em um cenário melhor, as diferenças estruturais continuam marcantes. Por exemplo, os carros utilizados por elas, ainda que parecidos, possuem diferenças mecânicas dos da Fórmula 4 (categoria de entrada mista), o que reforça um ciclo de desvantagem técnica. As estruturas de descanso e treinos femininos continuam aquém do que é oferecido nas categorias masculinas. A mensagem é sutil, mas forte: a inclusão ainda caminha em passos lentos. 

Apesar de destacar com frequência os desafios enfrentados pelas mulheres para chegar à elite do automobilismo, a série nem sempre se aprofunda nesses obstáculos de forma crítica. Adota um tom emocional e mais sensível, buscando uma maior conexão com o público através do vínculo com as atletas, mas isso por vezes enfraquece a contextualização política do problema. A produção acerta ao mostrar os bastidores humanos do esporte, mas poderia ser mais categórica ao situar o público leigo sobre em qual estágio da longa escalada rumo à Fórmula 1 a F1 Academy realmente se encontra. 

Essa tensão entre emoção e crítica também se expressa na forma como a narrativa é construída para cada pilota. As dificuldades financeiras de Abbi Pulling, por exemplo, são apresentadas com seriedade e associadas à sua força e resiliência. Já no caso de Bianca Bustamante, na época integrante da academia de desenvolvimento da McLaren, o foco recai sobre suas estratégias comerciais nas redes sociais e busca por patrocinadores. Tais atitudes, ao invés de serem reconhecidas como uma parte necessária para a sobrevivência em um dos esportes mais caros do mundo, são tratadas de uma forma que sugere que a pilota não leve seu assento com seriedade. Trata-se de uma escolha narrativa curiosa, já que revela uma contradição importante: enquanto se propõe a apoiar as mulheres do esporte, a série acaba, em alguns momentos, reforçando julgamentos desiguais ao quase vilanizar uma das poucas estratégias acessíveis para que mulheres, especialmente aquelas que não vêm de famílias abastadas, consigam apoio financeiro. 

Ao longo da temporada documentada, as quinze pilotas lidam com as mesmas tensões competitivas que qualquer atleta de elite: cobrança por resultados, traumas de lesões passadas, adaptação a pistas e carros. Mas há um componente extra e invisível que não atinge nem mesmo os homens que pilotam na F4 e F3: a constante necessidade de provar que pertencem àquele espaço. Em um dos episódios, a pilota Abbi Pulling, que hoje corre na GB3 pela Rodin Cars, faz questão de citar uma frase de Mulan, sua princesa favorita, para justificar suas ações dentro e fora das pistas: “I’m a woman in a man’s world who’s trying to prove herself” (Sou uma mulher em um mundo de homens tentando provar o seu valor).

A cinematografia da série é outro ponto que chama atenção. As tomadas são lindas, bem pensadas, e ajudam a construir uma narrativa visual envolvente. Há um cuidado estético que não apenas valoriza o esporte, mas também contribui para a construção de uma identidade própria da F1 Academy: jovem, combativa e com potencial de impacto.

Representatividade e conexão com o público

Um dos maiores méritos da série está em construir pontes entre essas mulheres e o público. Ao contrário da Fórmula 1, em que somos bombardeados por informações sobre os pilotos, de suas vidas pessoais às campanhas publicitárias e memes durante e depois das corridas, as atletas da F1 Academy ainda lutam para conquistar espaço nas redes sociais dos fãs e na mídia esportiva. Isso dificulta o engajamento do público com suas histórias e, consequentemente, com a categoria. 

Apesar de seguir uma narrativa dramática, assim como Drive to Survive (série de mesmo formato que segue a categoria masculina), F1: The Academy consegue suprir essa falta de informações que temos sobre as atletas. Sua abordagem consegue humanizar as pilotas, os episódios além de nos dar uma visão sobre suas histórias pessoais, mostram seus medos, ambições e vitórias, provando que elas  são mais do que siglas em tabelas e números no cronômetro. 

Foto: Amna Al Qubaisi/ Divulgação/ Netflix/ https://www.netflix.com/tudum/articles/f1-the-academy-release-date-trailer-drivers-news

Há diversos momentos que vão além dos limites de pista, como o fato de Lia Block entrar na categoria poucos meses após a perda de seu pai, o companheirismo entre as irmãs Al Qubaisi, com Amna sendo fundamental para que Hamda superasse suas dificuldades para pilotar após uma lesão grave, e até mesmo cenas em que Chloe Chambers e seus familiares falam sobre o processo de sua adoção.

Susie Wolff: o nome por trás da categoria

Foto: Susie Wolff/ Divulgação/ Netflix/ https://www.netflix.com/tudum/articles/f1-the-academy-release-date-trailer-drivers-news

Na engrenagem da visibilidade feminina dentro da série, Susie Wolff ocupa papel central. Ex-pilota e hoje diretora da F1 Academy, Susie é retratada como líder, mentora e referência. Ela mesma já enfrentou as barreiras do automobilismo de elite: em 2014, foi a primeira mulher em mais de duas décadas a participar de um fim de semana oficial de F1. Não conseguiu disputar a corrida por problemas técnicos, mas sua presença foi um marco.

Na série, ela participa da organização das semanas de corridas, media reuniões com as equipes, acolhe as pilotas, além de aparecer em momentos decisivos. Em uma de suas falas mais marcantes, diz: “We don’t wanna be a moment, we wanna be a movement” (Não queremos ser um momento, queremos ser um movimento). Sua mensagem destaca a urgência de tornar o projeto da F1 Academy em uma ação duradoura: somente uma visibilidade pontual não é suficiente, é necessário ter permanência, estrutura e apoio institucional, para que a categoria se transforme em uma alternativa real, uma opção viável para a entrada das mulheres na elite do automobilismo.

O que ainda falta correr?

F1: The Academy é um avanço. Não resolve os problemas estruturais do automobilismo, mas joga luz sobre alguns deles. Ao trazer os bastidores de uma race week, mostrando de dentro da garagem o que há de mais humano no esporte, como a dúvida, o medo e a superação, ela também nos convida a torcer não apenas por vitórias, mas por continuidade, investimento e transformação. 

Apesar de algumas falhas na construção narrativa e escolhas contraditórias, a produção acerta ao se posicionar não apenas como entretenimento, mas como denúncia e possível ferramenta de transformação. Nesse sentido, a série cumpre seu papel, ao deixar claro que a visibilidade, por si só, não é suficiente. Para que mais meninas entrem no kart, para que tenham modelos possíveis, para que resistam ao longo do percurso, é preciso muito mais: financiamento, estrutura e espaço.

Referências

IMDB

*Soraia é graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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