Indicação: Cheer Sem Assedio busca combater a violência de gênero no esporte

Por Isabel Gonçalves (@bell._.22) e Luiza Waters (@luh_waters10)

O cheerleading é uma modalidade esportiva marcada pela combinação de acrobacias, coreografias e espírito de equipe. Apesar do glamour aparente, a prática no Brasil enfrenta sérios problemas relacionados a assédios moral e sexual, muitas vezes invisibilizados pela comunidade esportiva. Foi nesse contexto que surgiu o Movimento Cheer Sem Assédio (MCSA), uma iniciativa criada por atletas e ex-atletas para acolher vítimas, combater abusos e promover um ambiente seguro no esporte.

Criado em 18 de dezembro de 2023, o perfil do MCSA no Instagram já conta com mais de mil seguidores e se destaca pela coragem de trazer à tona uma questão muitas vezes silenciada. Em menos de dois meses de atividade, a página recebeu 19 denúncias, das quais 17 foram encaminhadas aos ginásios envolvidos e duas resultaram na expulsão dos agressores. No entanto, a maioria dos denunciados seguem ativos no esporte, refletindo os desafios enfrentados pelo movimento.

Embora ainda pouco conhecido no Brasil, o cheerleading é praticado por cerca de 100 mil pessoas, segundo estimativas da Confederação Brasileira de Cheerleading e Dança (CBCD). Uma característica desse esporte é conseguir reunir pessoas de diferentes idades, tamanhos e gêneros. No entanto, a convivência próxima imposta pelo cheer também pode abrir espaço para abusos, especialmente pela ausência de divisão de categorias por idade em competições.

O Movimento Cheer Sem Assédio (MCSA): Perfil no Instagram é o primeiro passo para combater a violência de gênero no cheerleading brasileiro

Em competições como o Cheerfest, maior campeonato de cheerleading do Brasil, crianças a partir de oito anos podem competir na mesma categoria que adultos, como os chamados COED Open e AG Open. Essa falta de categorização, aliada ao fato de o cheerleading ser um esporte de contato físico, cria um ambiente propício para que comportamentos abusivos passem despercebidos ou sejam normalizados. Casos como o de homens com mais de 30 anos competindo ou treinando junto com meninas de menos de 13 anos mostram os riscos presentes no cenário atual.

O cheerleading, reconhecido como esporte pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2016 e pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) em 2023, ainda enfrenta barreiras culturais e estruturais para garantir a segurança de seus praticantes. A ausência de regulamentações específicas para lidar com diferenças de idade e hierarquias entre atletas, treinadores e gestores agrava o problema.

O MCSA é uma iniciativa inovadora ao oferecer não apenas um espaço para denúncias, mas também orientações jurídicas e educacionais para lidar com os casos relatados. Sua principal ferramenta é um formulário de denúncias disponível por meio de um link na bio do Instagram. Esse documento solicita informações detalhadas, como o nome do agressor, o ginásio vinculado e evidências do caso, incluindo mensagens de texto, áudios e outros arquivos.

Print da capa do formulário de denúncias do movimento

Fonte: @cheersemassedio no Instagram

Após receber uma denúncia, a equipe do MCSA analisa os relatos e os encaminha aos ginásios responsáveis, solicitando providências. No entanto, a decisão de processar formalmente ou acionar as autoridades judiciais cabe exclusivamente à vítima. O movimento também se preocupa em oferecer suporte emocional e jurídico às pessoas envolvidas.

Além disso, o MCSA promove a conscientização por meio de materiais educativos. Uma publicação que ganhou destaque abordava iniciativas que os ginásios podem adotar para evitar situações de abuso. Entre as recomendações estão: o acompanhamento de adultos em treinos e competições envolvendo menores, a implementação de políticas de tolerância zero contra abusos e a realização de treinamentos regulares sobre ética e conduta.

Publicação ressaltando iniciativas para combater o abuso sexual de menores

Fonte: @cheersemassedio no Instagram

O perfil do MCSA no Instagram se tornou um espaço essencial para dar visibilidade às histórias das vítimas e testemunhas de abusos no cheerleading. Muitos dos relatos compartilhados destacam a negligência de treinadores e a omissão de equipes diante de denúncias graves.

Em um vídeo publicado no início do projeto, eles ressaltam falas anônimas denunciando esses casos como: “O backspot usava qualquer desculpa para passar a mão na flyer, ela estava extremamente desconfortável. Fui conversar com os coaches e eles disseram: ‘Eles têm que se resolver porque a competição está chegando”.

Esses relatos não apenas ilustram a gravidade do problema, mas também mostram como a cultura de proximidade no cheerleading pode dificultar o rompimento do silêncio. A denúncia se torna ainda mais desafiadora quando o agressor é uma figura influente dentro do esporte, o que muitas vezes desmotiva as vítimas a buscarem justiça por medo de represálias ou descrédito. Como dito em outro comentário: “Isso nunca vai acabar, sabe? Principalmente quando o agressor é um nome com influência no esporte!”.

Apesar disso, o MCSA tem incentivado as vítimas a se manifestarem, destacando a importância de um ambiente acolhedor e respeitoso no esporte. Cada relato divulgado contribui para ampliar a consciência coletiva sobre os problemas estruturais que precisam ser enfrentados.

No cenário internacional, o cheerleading também enfrenta desafios semelhantes. A Federação Americana de Cheer (USASF) mantém uma lista pública de pessoas inabilitadas para atuar no esporte, muitas delas afastadas por investigações relacionadas à violência e abuso sexual. Atualmente, a lista conta com 144 nomes, evidenciando que os casos de assédio não são um problema isolado.

Um dos casos mais notórios envolveu um atleta famoso pela série “Cheer”, que foi preso após ser acusado de abusar de dois menores. Esse e outros episódios reforçam a necessidade de medidas preventivas mais rigorosas e de uma estrutura esportiva que priorize a segurança dos atletas.

No Brasil, o MCSA está apenas começando a trilhar esse caminho. Apesar de ser uma iniciativa recente, o movimento já conseguiu impactar positivamente a comunidade de cheerleading, propondo mudanças culturais e estruturais para combater os abusos. Embora o trabalho do MCSA seja louvável, ele enfrenta desafios significativos para alcançar mudanças efetivas. Um dos principais obstáculos é a resistência por parte de ginásios e treinadores, que muitas vezes preferem ignorar as denúncias para preservar a reputação de suas equipes. Dos ginásios marcados em denúncias pelo perfil do MCSA, apenas dois se posicionaram publicamente em apoio ao movimento e contra qualquer tipo de abuso.

Fonte: @blowup.athletics no Instagram

Além disso, a falta de regulamentações específicas no cheerleading brasileiro dificulta a criação de um ambiente seguro e acolhedor. As orientações propostas pelo MCSA são um importante passo nessa direção, mas sua implementação depende da adesão e do compromisso das instituições esportivas.

Ainda assim, a existência de uma plataforma como o MCSA é um marco importante para o esporte no Brasil. Ao proporcionar um espaço de escuta e acolhimento, o movimento ajuda a romper o silêncio que muitas vezes envolve os casos de assédio, dando às vítimas a oportunidade de serem ouvidas e de buscarem justiça.

O cheerleading é mais do que um esporte; é uma comunidade que promove o trabalho em equipe, a confiança mútua e a superação de limites. Para que esses valores possam ser plenamente vividos, é essencial que o ambiente esportivo seja livre de abusos e assédios.

O Movimento Cheer Sem Assédio representa um importante passo nessa direção, ao trazer à tona uma discussão muitas vezes negligenciada e ao propor soluções concretas para os problemas enfrentados. Embora ainda haja muito a ser feito, o trabalho do MCSA inspira mudanças culturais e estruturais que podem transformar o cheerleading em um espaço mais inclusivo e protegido para todos.

Seja por meio da conscientização, da acolhida às vítimas ou do incentivo à adoção de práticas mais éticas, o MCSA demonstra que é possível combater o assédio no esporte e construir um futuro melhor para as gerações de atletas que estão por vir.

REFERÊNCIAS

Popular entre estudantes, cheerleading cresce no Brasil. Folha de Pernambuco, 18 de setembro de 2023. Esportes. Disponível em: https://www.folhape.com.br/esportes/popular-entre-estudantes-cheerleading-cresce-no-brasil/292299/. Acesso em: 26 de novembro de 2024.

Perfil @cheersemassedio no Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/cheersemassedio.

Restricted & Ineligible List. USASF, 31 de outubro de 2024. Athlete Protection. Disponível em: https://resources.usasfmembers.net/ineligible-list/. Acesso em: 26 de novembro de 2024.