Por: Flaviane Rodrigues Eugênio
Ellen Valias a atleta de peso, é uma estudante de educação física, praticante de basquete e corredora, que utiliza as redes sociais para discutir acerca da corporalidade e a relação com as atividades físicas. Ellen usa principalmente o Instagram (@atleta_de_peso) e o Twitter (@atletaPeso) para postar as discussões propostas por ela, e que são tão importantes para ressignificar a atividade física como algo saudável e não punitiva, em que o grande objetivo é ter um corpo magro, ao invés de saudável. No Instagram a atleta conta com 151 mil seguidores e sua descrição a apresenta como criadora de conteúdo digital e comentarista da NBA, liga tradicional de basquete dos Estados Unidos. Já no Twitter ela possui 16.900 seguidores (números verificados no dia 12/06/2023) e se intitula como PRETA, GORDA, em letras garrafais, e como meia maratonista de 21km.
Por meio de vídeos bem-humorados, repletos de ironia, compartilhados no Instagram e Twitter, Ellen faz diversas críticas ao fato de as atividades físicas serem utilizadas de maneira punitiva pela sociedade para a obtenção de um corpo magro, e consequentemente lido como saudável socialmente. Ademais, é possível visualizar diversos vídeos em que Ellen critica dietas, sucos e chás da moda, que prometem perda de peso mágica, como é possível visualizar no vídeo abaixo.
Disponível em: https://www.instagram.com/reel/Cs6PVsNuwUR/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==
Vídeos como esse são muito comuns na página da atleta, ela ainda faz diversas críticas aos objetos milagrosos que prometem mudar o corpo, aumentando os glúteos por exemplo. Ou ainda, aos exercícios relacionados a perda de peso rápida, através de métodos que são questionáveis, porém, muito aceitos pela sociedade, porque prometem o que aceito e idealizado. Para entendermos o peso que Ellen tem com produtora de conteúdo que fala de saúde e bem-estar, sendo uma mulher gorda, é necessário entender primeiro a relação da atividade física com a magreza.
Paim e Kovaleski (2020) discutem sobre a temática ao afirmarem que existe uma patologização do corpo gordo e que muitas abordagens nutricionais são focadas na perda e peso e isso ocasiona a gordofobia. Para fazerem tal afirmação os autores fazem um percurso histórico acerca da obesidade e de como ela é vista de um ponto de vista médico e também midiático. Da perspectiva midiática eles citam uma midiatização alarmista, que confere a obesidade um caráter apocalíptico, que instaura uma luta contra as pessoas obesas e não a obesidade em si. Do ponto de vista médico, os autores citam que a partir de 1980 a obesidade passou a fazer parte da agenda pública internacional. No entanto, para os autores, a problemática é trabalhada a partir de um viés econômico e pessoas gordas seriam um fardo para os sistemas de saúde. Há ainda uma individualização do problema, ao colocar a culpa do sobrepeso unicamente nas pessoas, e uma abordagem neoliberal a respeito da obesidade, viés esse que é capitalista.
Ellen faz questionamentos parecidos aos que Paim e Kovaleski (2020) levantam. Em um dos vídeos da atleta é possível vê-la indagar e respeito da romantização da obesidade. O que inexiste para ela, visto que a sociedade idealiza um corpo magro, e as dietas malucas são comumente aceitas, bem como tudo que envolve a obtenção desse corpo. Já o corpo gordo é marginalizado pela sociedade, que negligência até mesmo as vivências e as individualidades de uma pessoa gorda. A fala de Ellen na integra está presente no vídeo abaixo.
Disponível em: https://www.instagram.com/reel/CtG8KyCxzBg/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==
Outro ponto importante citado pela influenciadora é a raça, em diversos vídeos Ellen destaca o fato de ser uma mulher negra e gorda na sociedade e reflete a maneira como possivelmente é lida socialmente, enquanto praticante de exercícios físicos, sendo tal mulher. Ainda nesse sentido, em um dos vídeos ela aponta a possível origem racista da gordofobia. Para isso ela traz a história de Sarah Baartman, mulher negra escravizada, que foi levada para a Grã-Bretanha e teve seu corpo exposto, como uma aberração, por ser gorda e negra, e, por isso, vista como diferente.
De acordo com Sabrina Strings (2020), autora utilizada por Ellen, a aversão ao corpo gordo começou a partir do período de escravização. Pois, se entendia que os escravizados eram muito fortes para o tanto que comiam e por isso, o corpo magro passou a ser visto como o padrão ideal pelos colonizadores. A atleta finaliza dizendo que ainda hoje há consequências desse pensamento e que enquanto mulher negra e gorda, não vê que a saúde e a medicina são pensadas para a sua estrutura corpórea. Nota-se que o pensamento de Ellen exprime a realidade quando se lê notícias como as que envolveu Vitor Marcos de Oliveiro, jovem negro de 25 anos, que morreu na porta do hospital por falta de atendimento médico pela ausência equipamentos adequados para o seu corpo.
Disponível em: https://www.instagram.com/reel/Cs04Q5nNnzN/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==
É possível associar o trabalho feito por Ellen nas redes socias com o que Berger (2018) diz sobre a ioga em contexto americano, no entanto, é importante entender que se trata de contextos diferentes. Berger identifica no trabalho que a prática de ioga é associada a mulheres brancas e magras. Nesse âmbito, a autora intersecciona as categorias de gênero, raça e corporalidade para explicar como uma mulher diferente desse padrão é lida no contexto de práticas corporais, no caso do trabalho da autora, na ioga. Ao trazer para ao contexto brasileiro, essa relação é parecida, pois, também se associa práticas corporais a corpos magros, e geralmente brancos.
Valias recentemente publicou um questionamento em torno da prática de ioga e como ela é relacionada ao estereotipo de um corpo magro. No vídeo publicado por ela, há duas mulheres com corporalidades diferentes e a influencer destaca que o corpo magro não deve ser o padrão para a ioga, e que o corpo gordo não deve ser lido em um espaço de superação para a prática esportiva. Sendo assim, as duas mulheres deveriam ser naturalizadas nesse espaço e tratadas como pertencentes dele.
Disponível em: https://www.instagram.com/reel/CthVIdsuwHN/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==
Para finalizar, é importante reconhecer que Ellen se destaca no que se propõe a fazer. Em meio a tantas influenciadoras brancas e a magras que são consideradas blogueiras fitness, a atleta se dispõe a romper com tal padrão, criticando não só a sociedade gordofobica, mas também os caminhos escolhidos para a obtenção da magreza. Desse modo, de acordo com o dicionário online, influenciar significa “Induzir (alguém) a fazer alguma coisa”, Ellen exerce muito bem essa função, e de forma positiva, porque influencia pessoas a refletirem sobre as praticas corporais e sua importância para todos os tipos de corpos. Porém, ela lembra-nos através das publicações que ainda vivemos em uma sociedade permeada de estereótipos em relação a atividade física e que por vezes associa a magreza um corpo atlético. Ellen então rompe com as expectativas, pois é atleta, negra, gorda e muito consciente do lugar que ocupa e disposta a fazer com que outras pessoas também enxerguem. Através das postagens por vezes irônica, a influenciadora faz com que temáticas tão caras para a sociedade sejam tematizadas, e isso possui muito mais peso, do que os que são exibidos na balança.
Referências:
PAIM, Marina Bastos; KOVALESKI, Douglas Francisco. Análise das diretrizes brasileiras de obesidade: patologização do corpo gordo, abordagem focada na perda de peso e gordofobia. Saúde e Sociedade, v. 29, 2020.
STRINGS, Sabrina. Fearing the black body: The racial origins of fat phobia. New York University Press, 2020.
BERGER, Michele Tracy. I do practice yoga! Controlling images and recovering the black female body in ‘skinny White girl’yoga culture. Race and Yoga, v. 3, n. 1, 2018.

