por Ives Teixeira Souza*
Com amor, obrigada! A frase anterior pode ser escrita entre aspas, pois foi assim que Nathália Silva Fiuza, 27 anos, finalizou os agradecimentos de sua monografia para se tornar bacharela em Jornalismo. Também pode ser escrita sem aspas, porque talvez seja a antecipação de um gesto futuro, o modo de estabelecer gratidão com as centenas de milhares de ouvintes, espectadores e leitores diários na Itatiaia.
Pisciana (elemento água), de acordo com a astrologia ocidental, do dia 14 e Rato (elemento fogo), pela astrologia chinesa, Nathália nasceu em 1996, ano em que estudiosos sobre gerações entendem ser a transição entre os millennials e a Geração Z. Sem ser exatamente uma nativa digital, a betinense do bairro Amazonas é um dos nomes escolhidos para aproximar a nova geração às tradições do jornalismo esportivo em Belo Horizonte.
São nos tensionamentos entre o fogo e a água, entre o radiofônico e as plataformas digitais, que desde novembro de 2021 ela é a primeira, e até agora a única, comentarista esportiva mulher da Itatiaia – a rádio, criada pelo jornalista Januário Carneiro (1928-1994) em 1952, vendida pela família Carneiro em maio de 2021 para o engenheiro, banqueiro e investidor Rubens Menin (1956-), que passou a ser entendida como uma empresa multimidiática, mas que há décadas tem suas transmissões esportivas acompanhadas pelo maior número de ouvintes de Minas Gerais.
Nath, como é conhecida, recusa o rótulo de prodígio. Dedicação, estudo, acreditar que seria possível estar ali entre os jornalistas. Na infância, suas principais referências no comentário esportivo eram os homens. Nesse período, a voz feminina no rádio esportivo era Danielle Rodrigues (1982-), atualmente colega de empresa e amiga de Nathália. Desde 2005 na Itatiaia, à Dani não foi dado o espaço nobre do jornalismo esportivo, o comentário ou a narração, apenas o de produtora, repórter, apresentadora, coordenadora. Para poucas delas a presença ali era permitida. No rádio de BH, Tânia Mara (1964-2016), Nair Prata, Sônia Pessoa (1971-), Rosália Dayrell (1961-), Dimara Oliveira (1973-), Vania Turce, Margarida Magalhães (1957-) foram algumas que tiveram essa permissão nos anos 1980 e 1990.
Os ensinamentos do pai, Antônio, foram essenciais para esse romper da fronteira. O mentor, o grande amigo, o torcedor apaixonado que explicava para a filha caçula todas as perguntas feitas por ela sobre as partidas que assistiam. Era mais do que gostar, era entender, compreender, fazer daquilo objeto de estudo, de leituras, de conhecimento. Na casa de Dulce, sua mãe, esses saberes não estavam condicionados aos irmãos Leandro e Guilherme. Pelo contrário, cabia a Nathália ler sobre futebol, estudar o livro de regras desse esporte, como fez na adolescência, enquanto estudava na Escola Estadual Amélia Santana Barbosa, em Betim (MG). Partidas antigas, como as da Copa do Mundo de 1998, eram assistidas via Youtube. Era a torcedora e comunicadora nata desde a infância, a Nath, que trilhava os espaços para ser a comentarista esportiva Nathália Fiuza.
O perfil
Em 2014, certa que queria ser jornalista esportiva, ela trocou a casa dos pais em Betim por Mariana, onde está sediado o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto (ICSA/UFOP). Ali estudaria Jornalismo, que apesar de não ser uma profissão que exige, legalmente, o diploma para sua prática, seria ainda mais difícil sem ele, ainda mais para as mulheres que tentam trabalhar com esporte. Historicamente, a presença delas só foi oportunizada após a formação acadêmica, o que não aconteceu com os homens, que normalmente começavam muito jovens e apenas depois faziam o ensino superior. Muitos, inclusive, foram os responsáveis pelas contratações profissionais oportunizadas por Nathália.
A estudante de jornalismo Nath Fiuza, em 2017, na UFOP

Fonte: reprodução/Instagram @nath_fiuza. Disponível em: https://www.instagram.com/p/BQBdcVUhgeg. Acesso em: 19 jun. 2023.
Pelos estúdios do ICSA, Nath participou de sua primeira experiência como jornalista. O Gloss Futebol Clube, programa criado, produzido e apresentado por estudantes do curso para debaterem o futebol, dentro de uma webrádio, a Rádio Plural, coordenada pela professora Nair Prata, que nos anos 1980, na Itatiaia, entrevistava os torcedores, no estádio, antes do início das partidas. Mais do que notícias esportivas, o objetivo era “romper preconceitos acerca da capacidade feminina de compreender o assunto e ainda estimular a participação das mulheres no esporte, mostrando que o futebol foi feito para todos.”
Thamiris Prado, Monique Torquetti e Julia Cabral foram algumas das participantes do projeto em 2015, junto com Nath. Nas terças, o programa diário tinha o comando dela no “Na Banheira”. A intenção era apresentar assuntos descontraídos sobre o futebol, com um pouco de humor crítico sobre a hegemonia masculina nesse esporte tanto nos gramados quanto fora deles. Ela escolhia um jogo da futura rodada do campeonato brasileiro de futebol masculino para comentar com estatísticas, curiosidades e muita opinião.
“Eu opinava sobre qual era o mais forte, o favorito, qual deixava de ser. Foi ali que começou a nascer em mim a sementinha de comentarista. Eu gostava muito mais de opinar. Algumas meninas gostavam muito mais de reportagem. Eu não. Foi ali que comecei a perceber que esse poderia ser um caminho.”, conta Nathália em entrevista para o Bora Pra Resenha Podcast (BPR).
Trajetória que ela mostrava querer consolidar com bastante evidência. Quando fazia estágio na Assessoria de Comunicação Institucional da UFOP, conheceu sua coordenadora, a jornalista Patrícia Pereira. Dos tempos dela de Juiz de Fora era Rogério Corrêa (1968-), narrador da TV Globo Minas desde 2003, posição por muitos anos ocupada pelo lendário Fernando Sasso (1936-2005).
Em 2018, quando Nath depois de formada morava em Belo Horizonte, Patrícia entrou em contato com o narrador para que ele recebesse a jovem jornalista nos estúdios da Globo, o que aconteceu logo depois da Copa do Mundo de 2018. No fim do ano, com seu material profissional devidamente enviado para o setor de esporte, foi chamada para uma experiência temporária de 42 dias na redação do GE Minas.
Para a experiência seguinte de Nath no meio jornalístico esportivo aconteceu algo semelhante. Deysi Marques, coordenadora dela em uma agência de comunicação, a Salt, aproximou Orlando Augusto (1949-) do talento de Nathália. Cronista esportivo desde os anos 1960, o apresentador do “Jogada de Classe”, da TV Horizonte, fez uma rápida experiência com a jornalista. De bate pronto, quando Nathália pensou que estava apenas conhecendo os estúdios, Orlando a convidou para ser uma das comentaristas daquele dia. O convite logo se estendeu por vários dias e pouco tempo depois, ainda em 2019, ela foi fixada como comentarista.
A sede da emissora de televisão da Arquidiocese de Belo Horizonte fica no bairro Dom Cabral, na região noroeste. Nathália trabalhava no Buritis, na região oeste. Para que pudesse fazer esse deslocamento, ela teve o horário de almoço ampliado e ao fim do dia, trabalhava após o horário normal de expediente na agência. Em outubro de 2020 ela trocou o programa pelo “Abrindo o jogo”, na mesma emissora.
Nath Fiuza, em janeiro de 2020, no estúdio do Jogada de Classe

Fonte: reprodução/Instagram @nath_fiuza. Disponível em: https://www.instagram.com/p/B7Y_-ilFOBo. Acesso em: 19 jun. 2023.
Outras participações voluntárias em programas esportivos foram acontecendo, como no “Meio de campo”, da TV Minas, e freelas para rádios do interior e sites esportivos. Também havia a rede de contatos de Nathália amadurecendo, como ela disse, sem nunca desistir de realmente conseguir ter seu emprego na área esportiva. Mais do que isso, era o espaço para a demonstração, na televisão e no rádio, da segurança ao performar entendimento e intimidade sobre a temática, contribuição que deu o reconhecimento a ela enquanto par – uma jornalista que poderia comentar juntamente com eles.
Na rádio de Minas
Reconhecimento transformado em inspiração. “Eu só queria ter a minha oportunidade, mas hoje eu descobri que estou trilhando um caminho para que outras também possam trilhar”, contou Nathália em entrevista ao BPR, que cita a comentarista da Globo Ana Thaís Matos como referência para ela e a geração Z, que está se tornando profissional do jornalismo.
A ampla visibilidade ao trabalho de Nath foi possível quando em novembro de 2021 tornou-se comentarista esportiva da Itatiaia, a rádio de Minas, como dizia seu slogan. A intenção de ter suas contas pagas pelo trabalho em jornalismo esportivo era tanto que ela sempre lembrava, via redes sociais, para Rodrigo Fonseca, executivo do GE Minas, onde tinha sido temporária, se não havia uma vaga para ela. Foi ele quem a indicou para uma vaga para fazer parte da equipe de jornalistas que trabalharia no portal da Itatiaia, após a reformulação da empresa iniciada naquele período.
Em junho de 2021, Nathália foi contratada como redatora da editoria de Cidades do site. Não sem antes reforçar na entrevista de emprego, por diversas vezes, que entendia mesmo era sobre esporte. Informação devidamente registrada que logo foi utilizada em benefício da empresa. A Olimpíada de Verão de Tóquio, realizada entre julho e agosto, foi a primeira cobertura da jornalista para o portal. Nathália estava sendo paga, pela primeira vez, para praticar jornalismo sobre esporte. Desde então passou a ser da equipe do digital sobre esporte da Itatiaia.
Domingo, 17 de outubro de 2021. Com a proximidade da equipe de esporte da rádio e a inserção cada vez maior da rádio com o digital (site,YouTube), Nath foi convidada por Michel Angelo (1981-), diretor de esportes da rádio, para comentar na rádio em um programa estilo mesa-redonda, na ausência de jornada esportiva. No mesmo dia, o deputado estadual e vice-presidente da empresa, João Vítor Xavier (1982-) enviou breve mensagem para a jornalista. “Parabéns pela sua participação, muito bom, muito firme nas opiniões”, conta Nath no BPR.
Menos de 15 dias depois, dia 30, ela foi colocada em teste outra vez, de forma inédita em uma jornada esportiva: um breve comentário antes do jogo Flamengo e Atlético no Maracanã. Mais uma prova cuja nota foi máxima. O último teste foi um programa piloto. Na proposta de reformulação dos programas tradicionais da rádio, transmitidos ao vivo pelo YouTube, caberia ao jornalista João Vitor Cirilo (também nascido na transição entre os millennials e a geração Z), renovar a linguagem do programa Apito Final, diariamente, às 23h. A sintonia foi imediata. A eles seria dada a responsabilidade de deixar o noticiário esportivo no fim de noite com ares de juventude, não só no vídeo, mas pela leitura de mensagens enviadas pelas plataformas, sem o peso de que, em poucas horas, mais um dia de trabalho estava para ser iniciado.
Nathália Fiuza em sua primeira participação no Apito Final, em 17 nov. 2021

Fonte: reprodução/Itatiaia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oUgBpfCNCic&list=PLNg3SPAllvX4lRTmyKnWBgVtsGeiabS5n. Acesso em: 19 jun. 2023.
No dia 17 de novembro, com o início do novo Apito Final, Nathália Fiuza tornou-se comentarista esportiva da Itatiaia, fixa no programa, mas que comenta, a depender da escala, em todos os tradicionais programas esportivos da emissora, como “Rádio Esportes” e “Turma do Bate Bola”, e nas jornadas esportivas. Nath também produz o “Bastidores”, apresentado pelo diretor João Vitor, cuja produção durante mais de década esteve sob a responsabilidade de Carlos Sevidanes (1959-).
Um dos seus momentos mais marcantes enquanto jornalista foi a participação na reta final da cobertura do segundo título de campeão brasileiro de futebol masculino do Atlético, o que não acontecia há 50 anos. Era a alegria por perceber a felicidade daqueles que amavam e que torciam para o clube, ao mesmo tempo em que essas pessoas também estavam felizes por vivenciarem aquele momento como Nathália enquanto comentarista da Itatiaia. Era a jornalista Nathália em primeiro plano, não a Nath torcedora.
Na festa de fim de ano da Itatiaia em 2021, com o narrador Alberto Rodrigues

Fonte: reprodução/Instagram @nath_fiuza. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CXo6DiZOT9d/. Acesso em: 19 jun. 2023.
“Nathália Fiuza é filha de quem?”
Nada parece atrapalhar sua crescente. As discussões sobre qual time torce cada jornalista parecem superadas também para ela, que tem o apoio do público em suas opiniões sobre os clubes de Belo Horizonte. Vez ou outra ainda há nos comentários das plataformas digitais quem questiona a presença dela ali no principal espaço da imprensa esportiva mineira, historicamente marcado pela pujança masculina. Na página de pesquisa Google, “Nathália Fiuza é filha de quem?” é uma das principais buscas sobre a jornalista.
Nath tensiona, com consciência, a rigidez estabelecida para o papel social da mulher no jornalismo esportivo. Em 2018, quando analisou o programa “Olhar espnW”, ela afirmou existir uma dinâmica misógina do jornalismo esportivo brasileiro em que
“o estranhamento causado quando uma mulher se torna jornalista esportiva deve-se, primeiramente, ao rompimento das expectativas ligadas ao papel social da mulher”, Nathália Fiuza, em seu trabalho de conclusão de curso de Jornalismo na UFOP
No programa da ESPN Brasil, às mulheres era permitido debater e produzir jornalismo sobre futebol, desde que ali tivessem falas que identificassem, ao público, o feminino. Não é esse seu modo de ser comentarista na Itatiaia, onde ela tenta habitar as fissuras dos entendimentos de seus colegas sobre o que cabe a ela, mesmo que para isso precise performar a filha e a aluna. Se ao comentarista Léo Figueiredo (1980-) cabe o papel carinhoso de cuidado, do coordenador de esportes, Alexandre Simões, sempre em tom de quem está prestes a ensinar, inclusive nas transmissões, a intenção é ser o preceptor.
“Não é fácil me posicionar no meio deles porque são todos homens, mais velhos que eu, com mais experiência. Então é um processo para eu colocar a minha opinião no mesmo grau de credibilidade, vamos dizer assim”, tenta explicar para os apresentadores do BPR. A presença dela enquanto comentarista parece estar condicionada pelo público à segurança com que fala e ao entendimento que demonstra sobre o futebol ao performar nas mais diferentes mídias.
Com certeza Nathália já fez a pergunta sobre o motivo da Itatiaia apenas agora permitir uma mulher (jovem, diga-se) enquanto comentarista esportiva. A proximidade dela com o digital pode ser um indicativo. Essa é uma necessidade da nova empresa que é a Itatiaia de Rubens Menin, um dos maiores investidores do Atlético: renovar o público da antiga rádio e transformar a emissora em uma plataforma jornalística multimidiática. Criar uma base de consumo que vai muito além dos antigos ouvintes da rádio no dial, que não dormiam sem ouvir a voz de Marco Antônio Bruck (1949-) informar sobre a loteria esportiva no Apito Final.
A Itatiaia mostrar o empoderamento feminino é benéfico para a imagem institucional pois há a expectativa dessa forma de ação pelas organizações atuais – movimento que o Grupo Globo também está realizando. Em seu site, por exemplo, a Itatiaia destacou que o Apito Final de 2 de julho de 2022, um sábado às 23h, foi o primeiro programa esportivo da emissora a ser comandado por mulheres: Danielle Rodrigues na produção e apresentação e Nathália Fiuza nos comentários. O texto não menciona que a mesa de som foi operada por Júlia Silva, a única das mulheres responsáveis pela execução do programa desconhecida pelo público.
Nas tensionalidades próprias do jornalismo, Nathália compreende que o gênero é mais uma delas. Se esse é o caminho escolhido, os usos que a Itatiaia faz dele parecem ainda não a incomodar. Vinícius Mello, seu namorado, é a companhia para trilhá-lo, como ela escreveu, “com responsabilidade, propósito e amor”. Na continuidade deste presente forte, quem sabe logo seja possível ouvir a frase histórica de Januário na voz de Nath Fiúza em uma Copa do Mundo: “nós abrimos para o rádio de Minas os caminhos de todos os continentes”.
REFERÊNCIAS
ALVES, Alessandra da Conceição; FALCÃO, Júlia Cabral Coutinho; CAMPEZ, Danielle Martins et. al. Gloss Futebol Clube: um bate papo feminino sobre futebol nas ondas da webrádio. Anais do Intercom Sudeste 2015. Disponível em: https://www.portalintercom.org.br/anais/sudeste2015/expocom/EX48-0742-1.pdf. Acesso em: 19 jun. 2023.
FIUZA, Nathália Silva. Mulher no telejornalismo esportivo : a construção de sentidos no programa Olhar espnW. 2018. 69 f. Monografia (Graduação em Jornalismo) – Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Ouro Preto. Mariana, 2018.
ITATIAIA. Apito Final: pela 1ª vez, duas mulheres comandam programa esportivo da Itatiaia. Disponível em: https://www.itatiaia.com.br/editorias/esportes/2022/07/03/apito-final-pela-1-vez-duas-mulheres-comandam-programa-esportivo-da-itatiaia. Acesso em: 19 jun. 2023.
PRATA, Nair.; SANTOS, Maria Cláudia (Org.) Enciclopédia do Rádio Esportivo Mineiro. 1. ed. Florianópolis: Editora Insular, 2014. v. 1. 448p .
*Jornalista, relações públicas, mestre e doutorando em Comunicação Social pela UFMG.

